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Mandela interrompe retiro e surge em comício de Zuma
Em final apoteótico de campanha presidencial, ícone sul-africano não cita candidato
Favorito à Presidência apesar de escândalos do passado, candidato diz que marca do governista CNA é "mais popular que nunca"
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO
Para surpresa de uma plateia
de 40 mil pessoas no estádio de
Ellis Park, o Maracanã do rúgbi
sul-africano, Nelson Mandela
surgiu ontem a bordo de um
carrinho de golfe para abençoar
a candidatura de Jacob Zuma a
presidente do país.
Foi um final teatral para a
campanha de Zuma e de seu
Congresso Nacional Africano,
no último comício antes da
eleição de depois de amanhã.
Aos 90 anos, o ícone antiapartheid foi convencido pela liderança do partido a interromper momentaneamente a aposentadoria para emprestar sua
imagem a um candidato de estilo polêmico e com acusações de
corrupção ainda não esclarecidas pesando sobre si. Zuma, porém, tentou vender à plateia a
ideia de que foi Mandela quem
pediu para ir ao evento.
Ele preferiu não falar no comício, limitando-se a dar uma
volta olímpica no estádio dentro do carrinho, acenando para
a multidão delirante, com Zuma sentado a seu lado.
Apenas uma rápida mensagem gravada pedindo apoio ao
partido, mas sem citar o candidato, protagonista de polêmicas, como minimizar a epidemia de Aids, foi exibida no telão
do estádio. "O CNA tem a responsabilidade histórica de liderar nossa nação e ajudar a construir uma sociedade unida e
não-racial", disse Mandela.
Como a não deixar dúvida do
fascínio que ele ainda desperta
sobre os sul-africanos, a plateia
acompanhou emocionada pelo
telão a sofrida escalada de
Mandela ao palco no meio do
gramado, dez degraus demoradamente vencidos. Um coro de
apoio empurrou-o, e o que pareceu um grito de gol comemorou sua chegada ao topo.
Durante quase toda a campanha, o frágil ícone sul-africano
manteve-se distante, aparecendo apenas uma vez num evento
pró-Zuma. Mas seu sobrenome
está presente na eleição, por
meio do neto Mandla e da ex-mulher Winnie, ambos candidatos a deputados.
Ontem, a presença de Mandela no comício foi confirmada
à imprensa poucos minutos antes de sua chegada, e anunciada
ao público apenas quando ele
surgiu sentado no carrinho.
O CNA vestiu para o evento
seu melhor figurino de partido
de libertação nacional, com hinos antiapartheid entoados a
todo momento. A cada dois minutos, o grito de "Amandla!"
(poder, em língua zulu) era puxado pelo mestre de cerimônias. Coros sobre o comunismo
esquentavam a multidão, que
suportou quase três horas de
espera sob o sol.
Metralhadora
Uma das canções, a polêmica
"Umshini Wami" ("Traga minha metralhadora"), foi cantada pelo próprio Zuma, microfone em punho. Ex-chefe de inteligência do braço armado do
CNA nos anos 80, o provável
futuro presidente só tomou o
cuidado de não fazer o gesto
imitando uma rajada sendo disparada, que costuma acompanhar a canção.
Em contraste com a desenvoltura ao cantar e dançar, Zuma leu o discurso de maneira
entediante, transitando entre o
zulu, sua língua natal, e o inglês.
"Previam dificuldades para
nós, mas a marca do CNA é
mais popular do que nunca."
Além dos 40 mil de Ellis
Park, mais 40 mil acompanhavam o comício pelo telão num
estádio ao lado. O evento foi
boicotado pelo ex-presidente
Thabo Mbeki, deposto por aliados de Zuma no ano passado.
Zuma listou uma serie de
promessas genéricas para saúde, educação, combate à criminalidade e à corrupção, e prometeu que o CNA, mesmo com
vitória esmagadora, vai se comportar de maneira "responsável". O partido colocou como
meta obter dois terços dos votos, o que permitiria aprovar
emendas constitucionais.
Ele tentou neutralizar as críticas da oposição de que a concentração de poder é perigoso.
"Não há na Constituição o que
diga que uma grande maioria
para um partido é uma ruim."
Acusado de associação num
escândalo de venda de armas,
Zuma foi investigado pela Promotoria sul-africana e liberado
há duas semanas por uma tecnicalidade. Também foi julgado
por estupro e absolvido.
Ele atribui as acusações a
uma campanha fomentada pela
mídia e pelo Judiciário, duas
instituições para as quais fez
ameaças veladas.
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