|
Próximo Texto | Índice
Mercenários no Iraque se igualam a EUA
Contingente de "soldados privados", mais bem equipado e com salário maior, já é quase tão grande quanto a tropa oficial
Maior empresa no país é a Blackwater, criada há dez anos por religioso ligado a republicanos; "mercenários" seguem regras diferentes
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O que une o curdo Jalal Talabani, presidente do Iraque, o
general David Petraeus, comandante militar dos EUA para a região, a democrata Nancy
Pelosi, presidente do Congresso americano, e Ryan Crocker,
novo embaixador em Bagdá?
Todos usam no dia-a-dia ou
já usaram alguma vez a proteção de guardas a soldo da Blackwater. A empresa de segurança
privada com sede na Carolina
do Norte é a ponta de um iceberg que só agora, com a oposição no comando do Legislativo,
começa a ser conhecido do público: o exército de mercenários em atividade no Iraque.
Há hoje entre 100 mil e 130
mil "soldados privados", termo
preferido pelas companhias
que os empregam, em ação na
guerra, a maioria em atividades
ligadas a segurança e defesa. O
total é quase o equivalente aos
145 mil soldados norte-americanos atualmente no país.
"Estima-se que US$0,40 de
cada dólar destinado ao Iraque
pelo contribuinte americano
pare nas mãos de uma empresa
de segurança privada", disse a
democrata Jan Schakowsky, da
Comissão de Inteligência da
Câmara dos Representantes.
Desde que assumiu o controle
do Congresso, em janeiro, a
oposição investiga o assunto.
Nas audiências, um dos nomes mais ouvidos é o da Blackwater. Desconhecida do grande
público até 2004, a companhia
criada pelo ex-militar e religioso conservador Erik Prince
surgiu no noticiário ao ter quatro contratados carbonizados
por insurgentes em Fallujah,
em março daquele ano. Desde
então, enfrenta processo movido pelas famílias dos mortos.
A refrega judicial deu vazão
ao escrutínio público, o que gerou uma avalanche de livros,
documentários e artigos sobre
o assunto (leia entrevista na
pág. 21). O autor do mais recente, "Blackwater - The Rise of
the World's Most Powerful
Mercenary Army" (Ascensão
do Exército Mercenário mais
Poderoso do Mundo, Nation
Books), Jeremy Scahill, defende que a empresa é a Guarda
Pretoriana da Era Bush.
Nele, o jornalista liberal relata palestra que Prince deu em
2006 numa convenção militar
na Califórnia, em que o empresário chama a Blackwater de "o
Fedex dos Exércitos": "Quando
você tem pressa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para
o aparato de segurança nacional." Procurada pela Folha, a
Blackwater não quis falar.
Segundo o conservador
"Wall Street Journal", Prince
foi um dos maiores doadores
da campanha do presidente, e
sua empresa tem perto de US$
800 milhões em contratos com
o atual governo. Mas há outras,
como a USIS, subdivisão do
Carlyle Group, que já teve Bush
pai e filho no conselho.
Sem regras
A exposição trouxe à tona outro aspecto polêmico desse
contingente em ação no Iraque.
Diferentemente dos soldados,
que respondem ao código de
conduta do Pentágono, os "privados" se encontram numa zona juridicamente cinzenta. Até
2007, eram regulados pela Ordem 17, assinada por Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório do Iraque.
Pela disposição, nunca revogada, "os privados devem ser
imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas". A ordem
abriu brecha para que tanto o
governo iraquiano quanto os
comandantes militares dos
EUA se eximissem da responsabilidade sobre essas dezenas
de milhares de pessoas, de várias origens e nacionalidades.
O vácuo jurídico se reflete em
números: com quatro anos de
guerra, só dois mercenários em
ação no Iraque foram levados à
Justiça nos EUA, um condenado por matar um civil, outro
acusado de ter pornografia infantil no computador.
Agora, por iniciativa do senador republicano Lindsay Graham, foi aprovada lei que subordina os mercenários às
mesmas regras seguidas pelos
militares, desde que quando a
serviço do Pentágono. O problema é que a maioria tem contrato com o Departamento de
Estado. Indagado se a lei vai
"pegar", o especialista Peter W.
Singer, da Brookings Institution, escreveu: "Como toda lei,
depende de duas coisas: interpretação e vontade política".
Próximo Texto: "Política externa dos EUA pode ser terceirizada" Índice
|