São Paulo, domingo, 20 de maio de 2007

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Mercenários no Iraque se igualam a EUA

Contingente de "soldados privados", mais bem equipado e com salário maior, já é quase tão grande quanto a tropa oficial

Maior empresa no país é a Blackwater, criada há dez anos por religioso ligado a republicanos; "mercenários" seguem regras diferentes

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O que une o curdo Jalal Talabani, presidente do Iraque, o general David Petraeus, comandante militar dos EUA para a região, a democrata Nancy Pelosi, presidente do Congresso americano, e Ryan Crocker, novo embaixador em Bagdá?
Todos usam no dia-a-dia ou já usaram alguma vez a proteção de guardas a soldo da Blackwater. A empresa de segurança privada com sede na Carolina do Norte é a ponta de um iceberg que só agora, com a oposição no comando do Legislativo, começa a ser conhecido do público: o exército de mercenários em atividade no Iraque.
Há hoje entre 100 mil e 130 mil "soldados privados", termo preferido pelas companhias que os empregam, em ação na guerra, a maioria em atividades ligadas a segurança e defesa. O total é quase o equivalente aos 145 mil soldados norte-americanos atualmente no país.
"Estima-se que US$0,40 de cada dólar destinado ao Iraque pelo contribuinte americano pare nas mãos de uma empresa de segurança privada", disse a democrata Jan Schakowsky, da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes. Desde que assumiu o controle do Congresso, em janeiro, a oposição investiga o assunto.
Nas audiências, um dos nomes mais ouvidos é o da Blackwater. Desconhecida do grande público até 2004, a companhia criada pelo ex-militar e religioso conservador Erik Prince surgiu no noticiário ao ter quatro contratados carbonizados por insurgentes em Fallujah, em março daquele ano. Desde então, enfrenta processo movido pelas famílias dos mortos.
A refrega judicial deu vazão ao escrutínio público, o que gerou uma avalanche de livros, documentários e artigos sobre o assunto (leia entrevista na pág. 21). O autor do mais recente, "Blackwater - The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army" (Ascensão do Exército Mercenário mais Poderoso do Mundo, Nation Books), Jeremy Scahill, defende que a empresa é a Guarda Pretoriana da Era Bush.
Nele, o jornalista liberal relata palestra que Prince deu em 2006 numa convenção militar na Califórnia, em que o empresário chama a Blackwater de "o Fedex dos Exércitos": "Quando você tem pressa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional." Procurada pela Folha, a Blackwater não quis falar.
Segundo o conservador "Wall Street Journal", Prince foi um dos maiores doadores da campanha do presidente, e sua empresa tem perto de US$ 800 milhões em contratos com o atual governo. Mas há outras, como a USIS, subdivisão do Carlyle Group, que já teve Bush pai e filho no conselho.

Sem regras
A exposição trouxe à tona outro aspecto polêmico desse contingente em ação no Iraque. Diferentemente dos soldados, que respondem ao código de conduta do Pentágono, os "privados" se encontram numa zona juridicamente cinzenta. Até 2007, eram regulados pela Ordem 17, assinada por Paul Bremer em junho de 2004, uma semana antes de deixar o comando provisório do Iraque.
Pela disposição, nunca revogada, "os privados devem ser imunes ao processo legal iraquiano em relação às ações realizadas por eles enquanto a serviço de empresas". A ordem abriu brecha para que tanto o governo iraquiano quanto os comandantes militares dos EUA se eximissem da responsabilidade sobre essas dezenas de milhares de pessoas, de várias origens e nacionalidades.
O vácuo jurídico se reflete em números: com quatro anos de guerra, só dois mercenários em ação no Iraque foram levados à Justiça nos EUA, um condenado por matar um civil, outro acusado de ter pornografia infantil no computador.
Agora, por iniciativa do senador republicano Lindsay Graham, foi aprovada lei que subordina os mercenários às mesmas regras seguidas pelos militares, desde que quando a serviço do Pentágono. O problema é que a maioria tem contrato com o Departamento de Estado. Indagado se a lei vai "pegar", o especialista Peter W. Singer, da Brookings Institution, escreveu: "Como toda lei, depende de duas coisas: interpretação e vontade política".


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