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Afeganistão vota com medo do Taleban
País elege hoje presidente; atual ocupante do cargo, Hamid Karzai, é favorito, mas pode não se reeleger no primeiro turno
Grupo extremista ameaça com onda de atentados para desincentivar ida às urnas; há temor grande também de fraudes na votação
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL
O Afeganistão promove hoje
a segunda eleição presidencial
de sua história. A quantidade
de problemas é tão grande que,
ao fim do dia, se houver um
comparecimento similar ao do
pleito anterior, os organizadores terão muito o que festejar.
Em 2004, cerca de 70% dos
eleitores registrados então votaram. "Não quero falar em estimativas, mas seria bom repetir", diz o porta-voz da Comissão Independente Eleitoral,
Noor Muhammad Noor. Há
15,6 milhões de eleitores aptos
no país para eleger presidente e
membros das assembleias locais das Províncias.
O presidente Hamid Karzai
busca a reeleição com o polêmico arco de alianças que inclui
acusados de crimes de guerra e
de ligação com as máfias que
dominam a economia do país.
Membro da etnia pashtun, majoritária (40%) no país, ele conta com a anistia dada nesta semana ao "senhor da guerra" uzbeque Abdul Rashid Dostum
para conseguir superar os 45%
que as pesquisas lhe dão e ser
reeleito no primeiro turno.
Seu principal adversário é
um ex-colaborador, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, 48.
Ele tem em torno de 25% nos
levantamentos disponíveis e
pode levar a disputa para o segundo turno. Além dele, concorrem como coadjuvantes importantes o populista Ramazan
Bashardost (10%) e o tecnocrata Ashraf Ghani (4%).
Nenhum dos candidatos
principais é antiamericano,
mas Abdullah tem como particularidade ser apoiado pelo Irã.
Mas os problemas são vários
e desafiam a suposta prioridade
dada pelo governo Barack Obama à região e ao Paquistão.
Washington precisa de uma
eleição aceitável para justificar
sua presença no país para o público interno.
O primeiro problema é o Taleban. O grupo fundamentalista, tirado do poder em 2001 pelos EUA, está de volta multifacetado, subdividido em diversas unidades regionais. Mas a
mensagem é uma só: a eleição é
uma invenção americana e justifica a ocupação do país pelos
100 mil soldados ocidentais.
Para combatê-la, a violência.
Nos cinco dias anteriores ao
pleito, quase 40 pessoas morreram país afora por conta de ataques do Taleban. Pior: a antes
protegida Cabul foi alvo de ataques violentos, e o grupo diz ter
infiltrado 20 homens-bomba
para atacar seções eleitorais.
Ontem houve um novo princípio de pânico na cidade, que
passou o dia vazia sob o temor
de novos ataques e forte repressão policial. Três homens foram mortos por um cerco militar a um prédio que abriga uma
filial do banco Pasthany na região central da cidade.
Um membro do serviço de
inteligência afegão disse à Folha que eram terroristas do Taleban e que outros dez haviam
escapado. O Ministério do Interior tratou o caso como uma
tentativa de assalto ao banco.
De todo modo, até a noite não
havia ocorrido nenhum ataque
maior. "Nossos inimigos podem tentar, mas não vão conseguir evitar a eleição", disse Karzai. Mas o clima de medo era
quase palpável, com ruas vazias
e famílias saindo da cidade.
Segunda questão: o temor de
fraudes. Os títulos de eleitor
são conseguidos na quantidade
que o cidadão quiser em todas
as zonas eleitorais do país -ele
não é restrito a um local, como
no Brasil. Sem a tinta supostamente indelével que marca o
dedo de quem já votou, nada
impede várias votações.
Em áreas distantes, observadores temem que o baixo comparecimento devido à ameaça
explícita de retaliação do Taleban se traduza em votos falsos
em algumas das 95 mil urnas.
E a contagem dos votos, que
foi problemática em 2004, será
feita localmente, levantando
dúvidas. "Nossos mecanismos
são bem melhores hoje. O importante é que a legitimidade
não deverá ser afetada", disse o
representante da ONU no país,
Kai Eide.
A Província de Badakhsan, a
nordeste do país, é um exemplo
recolhido pela Folha da confluência dos dois temores.
"Aqui já chegaram todas as
urnas", disse por telefone o responsável eleitoral da área, Said
Massoum. "Nosso problema é
que ontem morreram quatro
funcionários locais num ataque
a bomba, então não sei como
será amanhã."
Já Maruf Khasser, porta-voz
do governador local, afirmou,
também por telefone, que "não
recebemos nada ainda". Ou seja, alguém nesse local distante
não está falando a verdade.
Por fim, há o medo já expresso pela ONU de que haja disputas sectárias entre vencedores
e perdedores. Abdullah já disse
que só aceita o segundo turno
como prova de que não haverá
fraude. Segundo a Folha apurou, ele e Karzai foram procurados pela entidade para tentar
firmar um pacto de civilidade
para um segundo turno ou no
caso de vitória do presidente.
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