São Paulo, quinta-feira, 20 de agosto de 2009

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Afeganistão vota com medo do Taleban

País elege hoje presidente; atual ocupante do cargo, Hamid Karzai, é favorito, mas pode não se reeleger no primeiro turno

Grupo extremista ameaça com onda de atentados para desincentivar ida às urnas; há temor grande também de fraudes na votação


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

O Afeganistão promove hoje a segunda eleição presidencial de sua história. A quantidade de problemas é tão grande que, ao fim do dia, se houver um comparecimento similar ao do pleito anterior, os organizadores terão muito o que festejar.
Em 2004, cerca de 70% dos eleitores registrados então votaram. "Não quero falar em estimativas, mas seria bom repetir", diz o porta-voz da Comissão Independente Eleitoral, Noor Muhammad Noor. Há 15,6 milhões de eleitores aptos no país para eleger presidente e membros das assembleias locais das Províncias.
O presidente Hamid Karzai busca a reeleição com o polêmico arco de alianças que inclui acusados de crimes de guerra e de ligação com as máfias que dominam a economia do país. Membro da etnia pashtun, majoritária (40%) no país, ele conta com a anistia dada nesta semana ao "senhor da guerra" uzbeque Abdul Rashid Dostum para conseguir superar os 45% que as pesquisas lhe dão e ser reeleito no primeiro turno.
Seu principal adversário é um ex-colaborador, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, 48. Ele tem em torno de 25% nos levantamentos disponíveis e pode levar a disputa para o segundo turno. Além dele, concorrem como coadjuvantes importantes o populista Ramazan Bashardost (10%) e o tecnocrata Ashraf Ghani (4%).
Nenhum dos candidatos principais é antiamericano, mas Abdullah tem como particularidade ser apoiado pelo Irã.
Mas os problemas são vários e desafiam a suposta prioridade dada pelo governo Barack Obama à região e ao Paquistão. Washington precisa de uma eleição aceitável para justificar sua presença no país para o público interno.
O primeiro problema é o Taleban. O grupo fundamentalista, tirado do poder em 2001 pelos EUA, está de volta multifacetado, subdividido em diversas unidades regionais. Mas a mensagem é uma só: a eleição é uma invenção americana e justifica a ocupação do país pelos 100 mil soldados ocidentais.
Para combatê-la, a violência. Nos cinco dias anteriores ao pleito, quase 40 pessoas morreram país afora por conta de ataques do Taleban. Pior: a antes protegida Cabul foi alvo de ataques violentos, e o grupo diz ter infiltrado 20 homens-bomba para atacar seções eleitorais.
Ontem houve um novo princípio de pânico na cidade, que passou o dia vazia sob o temor de novos ataques e forte repressão policial. Três homens foram mortos por um cerco militar a um prédio que abriga uma filial do banco Pasthany na região central da cidade.
Um membro do serviço de inteligência afegão disse à Folha que eram terroristas do Taleban e que outros dez haviam escapado. O Ministério do Interior tratou o caso como uma tentativa de assalto ao banco.
De todo modo, até a noite não havia ocorrido nenhum ataque maior. "Nossos inimigos podem tentar, mas não vão conseguir evitar a eleição", disse Karzai. Mas o clima de medo era quase palpável, com ruas vazias e famílias saindo da cidade.
Segunda questão: o temor de fraudes. Os títulos de eleitor são conseguidos na quantidade que o cidadão quiser em todas as zonas eleitorais do país -ele não é restrito a um local, como no Brasil. Sem a tinta supostamente indelével que marca o dedo de quem já votou, nada impede várias votações.
Em áreas distantes, observadores temem que o baixo comparecimento devido à ameaça explícita de retaliação do Taleban se traduza em votos falsos em algumas das 95 mil urnas.
E a contagem dos votos, que foi problemática em 2004, será feita localmente, levantando dúvidas. "Nossos mecanismos são bem melhores hoje. O importante é que a legitimidade não deverá ser afetada", disse o representante da ONU no país, Kai Eide.
A Província de Badakhsan, a nordeste do país, é um exemplo recolhido pela Folha da confluência dos dois temores.
"Aqui já chegaram todas as urnas", disse por telefone o responsável eleitoral da área, Said Massoum. "Nosso problema é que ontem morreram quatro funcionários locais num ataque a bomba, então não sei como será amanhã."
Já Maruf Khasser, porta-voz do governador local, afirmou, também por telefone, que "não recebemos nada ainda". Ou seja, alguém nesse local distante não está falando a verdade.
Por fim, há o medo já expresso pela ONU de que haja disputas sectárias entre vencedores e perdedores. Abdullah já disse que só aceita o segundo turno como prova de que não haverá fraude. Segundo a Folha apurou, ele e Karzai foram procurados pela entidade para tentar firmar um pacto de civilidade para um segundo turno ou no caso de vitória do presidente.


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