São Paulo, domingo, 20 de setembro de 2009

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Latinos arriscam ao centrarem parceria militar num só sócio

Síndrome de "colocar todos os ovos no mesmo cesto" pode afetar a operacionalidade das Forças Armadas da região

Guinadas políticas de aliados, como recente decisão de Barack Obama sobre escudo antimísseis, já resultaram no fim repentino de acordos

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Colômbia está atrelada aos EUA para compra de material militar, doutrina e treinamento; a Venezuela, cada vez mais adquirindo armas russas. E agora o Brasil cria parceria "estratégica" com a França e torna-se dependente do país europeu para importantes sistemas de armas, como submarinos, helicópteros e talvez caças.
Essa síndrome de "colocar todos os ovos no mesmo cesto", contudo, já causou problemas sérios para muitos países e pode afetar no futuro a operacionalidade das forças armadas da América Latina.
Nenhum país é totalmente autossuficiente na compra de equipamento militar. Mesmo os EUA podem comprar no exterior se descobrirem algum item melhor do que o disponível no mercado nacional, embora busquem rapidamente iniciar a produção local.
Países em desenvolvimento, em geral, procuram diversificar as fontes de seu material bélico para evitar depender de um único fornecedor. Pois basta uma mudança de governo para uma parceria desaparecer. A recente mudança de orientação do governo americano em relação ao escudo antimíssil balístico na Europa surpreendeu a República Tcheca e a Polônia.
Na década de 1950, os franceses enfrentavam a guerrilha pró-independência da Argélia, que recebia ajuda de países árabes. Como revide, a França virou o grande arsenal de Israel: aviões de caça, tanques, canhoneiras "made in France" foram adquiridos pelos israelenses.
Até que em 1967, por conta da Guerra dos Seis Dias, o governo francês iniciou um embargo a Israel. Mesmo aviões de caça Mirage já pagos não foram enviados. Além de forçar o país a criar uma indústria de defesa própria, o embargo francês transformou os EUA no principal fornecedor israelense. Mas quando Israel tentou produzir seu próprio caça, as verbas americanas secaram, e os israelenses tiveram de continuar comprando caças dos EUA.
A política americana de vendas para a América Latina, de republicanos e democratas, sempre buscou manter um suposto "equilíbrio" regional. Determinadas armas não eram vendidas por essa razão. A Força Aérea Brasileira quis comprar na década de 1970 o poderoso caça F-4 Phantom II, mas teve de se contentar com um modelo mais modesto, o F-5 Tiger, que ela ainda opera (e está modernizando).
Há armas que os EUA não vendem a ninguém -é o caso do caça F-22 Raptor, o melhor do planeta. Outras são vendidas só a aliados próximos, como Reino Unido, Japão e Israel.
Cuba teve suas Forças Armadas equipadas exclusivamente pela antiga União Soviética. Com o fim da URSS e a suspensão do auxílio financeiro, as forças cubanas entraram em processo avançado de deterioração e obsolescência. Os russos hoje buscam na venda de armas uma fonte de recursos e cobram caro. A Venezuela de Hugo Chávez tem a renda do petróleo para financiar as compras de armas russas. Cuba não tem.

Precedente
A Argentina é exemplo mais lembrado -e temido- entre os militares do subcontinente. Depois que tropas argentinas invadiram a colônia britânica das ilhas Malvinas, o país sofreu embargo total de venda de armas de europeus e dos EUA.
O embargo foi decisivo para a derrota argentina. Apenas uma fração dos caças-bombardeiros franceses Super-Étendard armados com mísseis antinavio Exocet foi entregue antes do conflito. Essa combinação de avião e míssil causou as maiores perdas entre os navios britânicos e forçou a Marinha Real a operar distante das ilhas. Se tivessem recebido toda a encomenda, o resultado da guerra poderia ter sido outro.
A Colômbia depende muito dos EUA para lutar contra a guerrilha das Farc, e os EUA querem ter voz ativa no equipamento colombiano. Isso quase impediu a compra pela Colômbia do avião de ataque leve brasileiro Super Tucano, da Embraer. A bem-sucedida destruição de um acampamento da guerrilha no Equador e a morte do porta-voz das Farc, em 2008, tiveram participação do avião brasileiro e mostraram o acerto da compra.
É praxe entre as forças armadas da América Latina a utilização de equipamento por bem mais tempo do que entre os países desenvolvidos. Isso implica poder fazer manutenção adequada ao longo de anos, ter acesso a suprimentos que poderão deixar de ser fabricados no país de origem e ter a possibilidade de realizar uma modernização de "meia-vida" que prolongue o uso do material. Colocar todos os ovos no mesmo cesto é, portanto, arriscado.


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