São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2001

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Argentina recebe carta de Miami contendo antraz

ROGERIO WASSERMANN
DE BUENOS AIRES

As autoridades sanitárias argentinas analisavam ontem o conteúdo de uma carta suspeita de conter esporos de antraz. Uma primeira análise visual, por microscópio, havia indicado uma possibilidade "de 98%" de chance de se tratar de antraz.
A carta teria sido enviada de Miami, nos EUA, a um destinatário em Buenos Aires, cuja identidade não foi divulgada. O resultado positivo foi o primeiro em centenas de casos suspeitos que foram denunciados após o aparecimento dos primeiros casos de contaminação nos EUA.
"No Hospital Muñiz se analisou um envelope que, por todas as provas bioquímicas, microscópicas e de caracterização, deu um resultado altamente positivo ou altamente provável de que seja o agente do antraz", afirmou ontem o infectologista Andrés Ruíz, diretor do Instituto Malbrán, referência para este tipo de patologia.
O envelope foi enviado ontem para o Malbrán, que realizava um teste de DNA para identificar com 100% de certeza o seu conteúdo. "Por técnicas de biologia molecular, serão estudadas as bactérias que chegaram para confirmar se é realmente o agente do antraz", disse Ruíz.
O envelope teria sido enviado para análise sem ser aberto. Segundo Ruíz, ele não continha nenhum pó branco. As autoridades não informaram se havia suspeita de contaminação humana ou se o destinatário da carta havia iniciado um tratamento preventivo contra o antraz.
Nos últimos dias, o Instituto Malbrán recebeu centenas de cartas cujos destinatários suspeitavam da presença de antraz. Segundo o diretor do instituto, mais de 90% delas eram de propaganda de empresas de turismo dos EUA e não apresentaram nenhum traço da bactéria.
A paranóia generalizada com a guerra bacteriológica gerou alguns trotes, como ocorrido nas eleições legislativas de domingo, quando 60 envelopes de votação foram colocados na urna com um pó branco, alguns deles acompanhados de fotos do líder terrorista saudita Osama bin Laden. Nenhum desses envelopes continham antraz, segundo as análises.
Ontem pela manhã, a Biblioteca Municipal de La Plata, a 56 km de Buenos Aires, foi desocupada depois que uma empregada sentiu irritação nos olhos após abrir uma carta de uma empresa telefônica. No dia anterior, a abertura de uma agência do Citibank em Buenos Aires foi atrasada em algumas horas depois que um funcionário abriu uma carta que continha um pó branco.
Por conta do temor generalizado, a Polícia Federal e a secretaria de Saúde da Província de Buenos Aires começaram a divulgar ontem uma série de recomendações e normas de prevenção para evitar a contaminação por antraz.

Mensagem
Um diplomata argentino que trabalhou na embaixada do país na Arábia Saudita afirma ter recebido no ano passado uma mensagem supostamente atribuída à Al Qaeda, rede terrorista de Bin Laden.
Na mensagem, a Al Qaeda fazia ameaças aos Estados Unidos. "A América do Norte terá surpresas", dizia.
A rede terrorista também assumia a autoria de "uma explosão" na Argentina. A cidade de Buenos Aires foi palco de dois atentados terroristas nos anos 90: a destruição da Embaixada de Israel, em 1992, que deixou 22 mortos, e a explosão da sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, com um saldo de 85 mortos.
De acordo com o diplomata Juan Carlos Etchegoyen, que foi transferido recentemente para a Suíça, as mensagens recebidas pela embaixada em setembro do ano passado foram repassadas imediatamente ao governo dos EUA e à chancelaria argentina, que por sua vez as teria repassado à Side, órgão de inteligência do país.
A informação teria permanecido em sigilo até a noite de anteontem, quando o diplomata, que se disse preocupado com os rumos da denúncia e temeroso de ser acusado de esconder informação, procurou a Justiça, que a desconhecia.
As mensagens teriam sido recebidas nos dias 20, 23 e 24 de setembro do ano passado. Poucos dias depois, houve um atentado ao navio americano USS Cole, no Iêmen, que deixou 17 marinheiros mortos.

Acobertamento
O episódio das mensagens reforça as suspeitas sobre o acobertamento, por parte de funcionários do governo argentino e da Side, dos envolvidos com os atentados em Buenos Aires. No mês passado, a Justiça começou a julgar 20 pessoas acusadas por participações secundárias no caso da explosão da Amia.


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