São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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AMÉRICA LATINA

Crise política paralisa economia de país que já teve um dos melhores índices de qualidade de vida da região

Chávez desdenha greve geral na Venezuela

Andrew Alvarez - 18.out.2002/France Presse
Chavistas protestam contra greve convocada pela oposição, programada para ocorrer amanhã


MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, desdenhou ontem a greve geral convocada por seus opositores para amanhã e disse que não teme que ela desemboque em um golpe de Estado como o de abril passado. Em Oslo (Noruega), Chávez também disse que não há perigo de uma guerra civil em seu país.
Apesar disso, a procuradora-geral da Venezuela, Marisol Plaza Irigoyen, declarou que o Executivo poderá decretar estado de emergência caso a greve "se estenda de forma perigosa para a estabilidade do país".
Seja qual for o desdobramento da greve, a crise política que paralisa a Venezuela deteriora fortemente a economia do país e a qualidade de vida de uma população que há três décadas era uma das mais prósperas e menos desiguais da América Latina.
Desde janeiro, a economia venezuelana despencou 7%, o desemprego subiu de 15% para algo em torno de 20%, a inflação anualizada atingiu 28% e a desvalorização da moeda, quase 100%.
A crise interfere nos aspectos mais rotineiros e nas necessidades básicas dos venezuelanos. O consumo de alimentos caiu 10% no último ano; o de papel higiênico, 43%. A ocupação nos hotéis está abaixo de 20% e mais de 1.500 pequenas fábricas fecharam.
Por falta de passageiros, companhias aéreas cancelaram os vôos diretos Caracas-Nova York, cutucando o imaginário de uma classe média que se guia pelo modo de vida americano.
Para analistas independentes, a deterioração é fruto do estrago causado pelo golpe de Estado de abril passado, pelas sucessivas greves convocadas para derrubar o governo e pelos ataques do presidente Hugo Chávez à classe empresarial. Juntos, esses fatores teriam motivado a fuga de cerca de US$ 10 bilhões do país nos últimos dez meses.
"A crise atual é uma das piores da história recente venezuelana", disse à Folha Janet Kelly, americana que vive em Caracas há 20 anos e leciona no Instituto de Estudos Superiores de Administração.
"Os problemas políticos caem como uma bomba numa economia que começou a decair em 1978 com o aumento da população e a estagnação das receitas do petróleo", afirmou.
A Venezuela sempre se destacou como uma das nações menos desiguais e mais prósperas da região. Segundo o índice de Gini, que mede níveis de concentração de renda das nações, a sociedade venezuelana é mais justa que a brasileira.
Depois do golpe de abril, o presidente Chávez retomou o cargo prometendo unir o país e criar um canal de comunicação permanente com a oposição. Chávez instalou câmaras de diálogo, adotou um discurso menos agressivo e trocou seu uniforme militar pelo terno e a gravata.
Alguns setores da oposição também fizeram uma autocrítica discreta, tendo reconhecido que, ao apoiar um golpe que dissolveu o Congresso e o Judiciário, ajudaram a instalar no país os mesmos elementos autoritários que diziam combater.
Mas o namoro não durou três meses. A classe média e empresários voltaram a "exigir sua renúncia" -estratégia encontrada para driblar a Constituição, que garante a Chávez um mandato até 2006.
Para prevenir um novo golpe, Chávez retomou seu estilo original para mobilizar os setores desorganizados da população que o recolocaram no cargo em abril. Desde então, todos os seus atos são vistos como provocações ao anticastrismo e anticomunismo dos empresários e da classe média.
"Enquanto ele leva o país ao comunismo, os aluguéis comerciais acompanham a variação do dólar. Minhas vendas caíram 60% enquanto o aluguel subiu 50%", diz Antonio Pérez, sócio de uma pequena loja de sapatos num shopping de Caracas. "
"A crise não é culpa de Chávez", diz Susana, que vende camisetas numa barraca no centro de Caracas. "O presidente quer trabalhar. Quem quer fazer greve são os empresários."
O presidente venezuelano ainda conta com o apoio de cerca de 35% da população.



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