São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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NOVA FRENTE

Analistas temem que a luta antiterrorista leve países da região a endurecer regimes indiscriminadamente

Guerra contra terrorrismo caminha para sul da Ásia

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Desde o atentado em Bali, no dia 6, analistas, militares e "policymakers" vêm discutindo a abertura de uma "segunda frente" na guerra contra o terrorismo empreendida pelos EUA. Além das chocantes imagens dos quase 200 mortos no paraíso turístico, as explosões nas Filipinas e a admissão da Coréia do Norte de que desenvolve armas nucleares serviram para ajudar a mudar o foco da Ásia Central para a confluência do Pacífico com o Índico.
Mas, especificamente no Sudeste Asiático, seriam Indonésia, Malásia, Filipinas etc. o novo abrigo/ incubadeira do extremismo da rede terrorista Al Qaeda?
"Dificilmente", afirma Wendel Wallerson, especialista em política do Sudeste Asiático. "As sociedades da região e os meios de repressão do Estado são muito mais sofisticados do que na Ásia Central. Os interesses internacionais são mais presentes no dia-a-dia das pessoas. O indonésio médio está mais preocupado com seu telefone celular do que com a aplicação da sharia [lei islâmica"."
Para o analista, o que pode acontecer na região é um endurecimento da repressão, até mesmo em relação a movimentos que nada têm a ver com o extremismo. E isso se daria para proteger os fluxos internacionais de capital.
O caso da Malásia parece confirmar essa "aproximação com o mercado globalizado", um eufemismo usado por Wallerson para designar o comprometimento da economia como fator de uma maior "estabilidade política".
Após transitar por uma tendência "terceiro-mundista" nos anos 80, quando Kuala Lumpur apoiou a Organização para a Libertação da Palestina -vista então com maus olhos pelos EUA- e o Congresso Nacional Africano -quando Mandela estava na prisão-, a Malásia virou a "menina dos olhos" de Washington.
Hoje, segundo a Anistia Internacional, os presos com base na Lei de Segurança Interna podem chegar a uma centena. Essa lei, tida como uma "arma poderosa antiterrorista", dá à polícia liberdade para prender sem mandado ou acusação formal na Justiça.
O governo malasiano diz que ao menos 70 supostos integrantes do Jemaah Islamiyah, a nova vedete dos caçadores de terroristas, estão detidos por "tramar contra a segurança do Estado".
Tendo 53% de sua população professando o islamismo, teme-se que qualquer movimento que pregue a reforma do Estado ou que tenha legítimas aspirações políticas possa ser encaixado na definição de terrorista.
John Gershman vai pelo mesma análise e afirma que os movimento extremistas no Sudeste Asiático estão sendo superestimados. Analista do IRC (Interhemispheric Resource Center), ele diz que essa situação pode levar a uma resposta militarizada a problemas que lá realmente existem.
Wallerson lembra que não há um terrorismo patrocinado pelo Estado na região, e mesmo um certo grau de confusão entre militância islâmica e política secular não leva a risco de extremismos.
Ele aponta a eleição de Abdurrahman Wahid para presidente da Indonésia, em 1999, como exemplo. Wahid era um conhecido líder muçulmano.
"O problema é que Washington tende a colocar na vala comum os mais diferentes tipos de movimentos islâmicos", afirma.
O Jemaah Islamiyah ilustra o caso. Mesmo aparentemente tendo ligações com a Al Qaeda e sendo suspeito do atentado em Bali, o grupo não teria mais do que 700 militantes na Indonésia, que é o país com a maior população muçulmana do mundo.
O que temem os analistas é que a ação deletéria desse grupo se reflita na repressão aos movimentos separatistas não-violentos, como o de Aceh, por exemplo.
Ali, em Aceh, eles identificam o próximo ponto de tensão a estourar. Com 4,3 milhões de habitantes, a Província fica no noroeste da ilha de Sumatra e tem uma história particular. Acabou sendo levada à força para a Indonésia, quando o país se formou, após a Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ser responsável por um terço das exportações de gás natural e de um quinto das de petróleo, sua participação no Orçamento total indonésio não ultrapassa os 5%. Reivindicando a independência, cerca de 500 mil pessoas foram às ruas na capital local, Banda Aceh, em 1999.
Além de Aceh, as regiões indonésias de Irian Jaya e Kalimantan também são conhecidas por suas aspirações separatistas.
"A adoção na Indonésia de novas leis contra o terrorismo pode levar a um endurecimento do regime, como na época de Suharto, e a um fortalecimento dos militares, coisa que a presidente Megawati Sukarnoputri não gostaria", estima Wallerson. Esse movimento já começou: a Indonésia anunciou ontem a adoção, por decreto, dessas leis. A base é a mesma da legislação da Malásia.

Próximo passo dos EUA
Membros da linha dura do governo Bush já se movimentam para derrubar uma restrição do Congresso, datada de 1999, que impede a ajuda militar ao Exército indonésio, por causa de violações dos direitos humanos.
Se derrubada a restrição, analistas crêem que os EUA devam tentar levar adiante uma ação como a das Filipinas, treinando tropas especializadas em combate ao terrorismo e fornecendo material.
A participação direta de tropas americanas, como nas Filipinas, não faz parte dos planos de Washington. Mas a grande questão que deve se impor nos próximos meses e que continua sem resposta é como os EUA vão se envolver nos conflitos do Sudeste Asiático sem que sejam tragados por eles.



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