São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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Para analista, acordo com as Farc é improvável

JOÃO FELLET
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

As negociações do governo colombiano com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) pela libertação de 45 reféns ocultam uma disputa política em que nenhum dos lados pretende ceder. Nessas condições, torna-se improvável um acordo que leve à soltura dos seqüestrados. Essa é a avaliação do analista colombiano e ex-guerrilheiro Otty Patiño. Hoje membro da ONG Observatório para a Paz, Patiño atuou no grupo guerrilheiro esquerdista M-19, que entregou as armas em 1990, após negociação com o governo. Leia a seguir trechos de sua entrevista concedida à Folha, por e-mail.

 

FOLHA - A decisão de Uribe de criar uma "zona de encontro" indica uma reviravolta nas negociações do governo com as Farc?
OTTY PATIÑO -
Não. [A decisão] Significa concordar com uma mínima desmilitarização, ou seja, para além dos limites de municípios, opção que já havia sido apresentada por Uribe em um acordo com os "países amigos" [França, Espanha e Suíça]. As Farc disseram não a essa proposta, já que não se discutiu com eles. O governo as comunicou publicamente e, com isso, matou sua possibilidade.
As Farc não querem discutir publicamente a proposta, mas não se negam a um acordo sobre uma possível desmilitarização. Porém, é óbvio que o interesse das Farc sobre a desmilitarização é político, e por isso duvido que aceitem uma desmilitarização que não envolva ao menos um município.

FOLHA - Alguns familiares de reféns dizem que as propostas de Uribe, feitas sem consultar as Farc, não vão obter êxito. Eles acham que o presidente apenas simula querer fazer a troca humanitária, já que acredita que obterá a libertação com uma ação militar. O sr. concorda?
PATIÑO -
Não necessariamente Uribe quer a libertação dos seqüestrados mediante uma ação militar. O que Uribe não quer é que o processo de libertação apareça como um triunfo das Farc. Por isso, os procedimentos resultam tão -ou mais- importantes que o resultado, a libertação.

FOLHA - Como ex-guerrilheiro, o que o sr. acha da estratégia das Farc nas negociações?
PATIÑO -
A cultura política e militar das Farc sempre me pareceu espantosa. É uma guerra de resistência ad infinitum, em que não assumem nenhuma responsabilidade política nem militar nem moral por seus atos. Dentro dessa concepção, não há chance de uma negociação para uma paz definitiva.

FOLHA - Em 2002, o sr. disse que a falta de objetivos claros entre as Farc e o governo era uma razão para que ambos não se entendessem. As negociações sobre a troca humanitária não poderiam destravar as relações para que as Farc cheguem a um fim, como o M-19?
PATIÑO -
O que atualmente domina as relações governo-Farc são as relações de uma guerra que só terminaria com a vitória. Hoje, o nome da vitória das Farc se chama desmilitarização. O nome da vitória de Uribe se chama acordo sem desmilitarização. Nem o governo nem as Farc têm um esquema que permita antecipar um processo similar ao do M-19, de paz sem vencedores nem vencidos.

FOLHA - O que o sr. pensa da decisão de Uribe de dar dinheiro aos rebeldes que desertem e libertem reféns? E dos programas do governo para a desmobilização de rebeldes?
PATIÑO -
É uma medida de guerra, que pode ser eficaz se os níveis de decomposição das Farc fizerem com que seus combatentes se tornem permeáveis à barganha. Suponho que as Farc tomaram medidas para que isso não ocorra.
E quanto aos programas para a desmobilização individual dos guerrilheiros, são a continuação e ampliação de um programa iniciado pelo presidente [César] Gaviria [1990-1994]. Seus resultados e suas conquistas são questionáveis em termos militares e políticos, mas serviram para validar o processo de desmobilização dos grupos paramilitares.

FOLHA - As provas de vida dos reféns apreendidas recentemente pela polícia colombiana indicam que Chávez foi um bom mediador [o presidente venezuelano foi afastado por Uribe das negociações em novembro após contatar diretamente um militar colombiano]?
PATIÑO -
Acho que as Farc iriam flexibilizar sua posição em troca do reconhecimento internacional como guerrilha política que se estava dando de fato no processo de facilitação de Chávez. Ou seja, algo tinham que "dar" a Chávez, além das provas de sobrevivência. Assim, o processo de paz se articularia com um processo internacional de uma nova ordem geopolítica, no qual ganhavam Chávez, as Farc e Uribe, se se desvinculasse dos EUA.

FOLHA - Por que Uribe diz que não vai aceitar outros mediadores?
PATIÑO -
O que Uribe não vai aceitar é um novo esquema que internacionalize o processo de negociação em uma dimensão que ele, Uribe, não possa manejar, que não lhe convenha.

FOLHA - O que fazer para chegar a um acordo entre as Farc e Bogotá?
PATIÑO -
O governo perdeu chances de começar a fazer um acordo aproveitando os golpes militares que infringiu às Farc. Na atual situação, em que há uma grande iniciativa militar e resultados bons para o governo, [Uribe] poderia ser mais generoso e abrir o processo. Mas há como uma fratura entre a estratégia militar do governo e a sua estratégia política. E isso dificulta construir o acordo.


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