São Paulo, domingo, 20 de dezembro de 2009

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Regime está paranoico, afirma iraniano

Intelectual prevê piora da repressão antes de primeiros sinais de abertura e diz que Teerã quer melhor relação com Ocidente

Para escritor Hooman Majd, radicado nos EUA, Irã quer dominar tecnologia nuclear, mas não necessariamente almeja a bomba atômica

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

O temor de um complô orquestrado pelas potências ocidentais está levando à paranoia o regime iraniano, que, seis meses após a contestada reeleição do conservador Mahmoud Ahmadinejad, mantém o cerco aos partidários do reformista Mir Hossein Mousavi.
A avaliação é de Hooman Majd, escritor iraniano radicado em Nova York que, pelo profundo conhecimento dos EUA, foi transformado em consultor particular da Presidência iraniana -primeiro a serviço do reformista Mohammad Khatami (1997-2005) e hoje de Ahmadinejad, a quem serviu também de tradutor para o inglês.
Em entrevista à Folha por e-mail, Majd diz que o Ocidente é mais intransigente que o Irã no diálogo nuclear.

 

FOLHA - A dez dias do fim do prazo dado para o Irã aceitar a mão estendida pelos EUA, por que o Irã endurece o tom nas conversas nucleares?
HOOMAN MAJD -
Não vejo o Irã endurecendo sua posição. O país até ofereceu um acordo -trocar urânio empobrecido por enriquecido [em uma ilha iraniana do golfo Pérsico]- que foi rejeitado pelos americanos. Os EUA tinham outra proposta que nunca teria funcionado como prometido. O Irã está preocupado com a possibilidade de enviar urânio ao exterior e ter que esperar um ano até recuperá-lo sob forma de combustível. Se alguém faz uma oferta e diz que é pegar ou largar, então não se trata de uma negociação. Após 30 anos de hostilidade não se pode achar que alguns dias de conversa darão resultados.
O Irã não tem medo da guerra ou de mais sanções e está disposto a melhorar a sua relação com o Ocidente, mas não quer fazer isso em uma posição de fraqueza.

FOLHA - O Irã pode estar blefando quando anuncia novas usinas e maior grau de enriquecimento?
MAJD -
Acho que há uma dose de blefe, e os anúncios do Irã parecem ser uma reação irritada à resolução da AIEA [que condenou Teerã por falta de transparência de seu programa nuclear]. É claro que construir mais dez centrais é um exagero e algo improvável. Mas o Irã deve ser levado a sério quando diz que, se não houver acordo e a AIEA continuar seguindo as potências, poderá decidir elevar por conta própria a sua capacidade nuclear [e abandonar o Tratado de Não Proliferação].

FOLHA - O sr. ainda acredita, após a revelação da central secreta de Qom, que o Irã não quer a bomba?
MAJD -
Continuo acreditando que o Irã não quer a bomba. A planta de Qom faz sentido na medida em que EUA e Israel ameaçaram várias vezes bombardear Natanz [única central de enriquecimento operacional no Irã]. Teerã quer ter uma capacidade nuclear plena, e isso significa dominar o ciclo todo. Obviamente, isso lhe daria a habilidade de fabricar também a bomba, mas não significa que o governo a esteja querendo.

FOLHA - Por que o Irã passou a usar tanta violência contra opositores?
MAJD -
O Irã se tornou mais autoritário. O regime está paranoico achando que a oposição está sendo usada por agentes externos para fomentar uma revolução e a queda do sistema.
Mas a oposição não vai desaparecer, o que aumenta as chances de que um dia se chegue à abertura, principalmente se os clérigos apoiarem as reivindicações opositoras. Mas, no curto prazo, é provável que tenhamos mais autoritarismo, pelo menos até que o regime se sinta mais seguro.

FOLHA - Mousavi é tão popular como se pensa no Ocidente? Ele recebe alguma ajuda externa?
MAJD -
Mousavi é muito popular, talvez mais do que na época em que concorria à Presidência, e não acho que ele receba qualquer ajuda do exterior além de apoio moral. Mas o que a mídia ocidental não reconhece é que Ahmadinejad também é popular, e [o líder supremo, Ali] Khamenei, mais ainda. Deve ser verdade que Mousavi recebeu mais votos do que Ahmadinejad, mas isso não significa que o presidente tenha recebido poucos votos.

FOLHA - Que mudanças o sr. percebeu no seu país nos últimos anos?
MAJD -
Percebi a descrença dos iranianos em relação a seu regime e seu presidente. Isso se refletiu com clareza na alta participação na eleição presidencial e na imensa decepção que sucedeu o voto.
Embora fosse difícil prever o resultado da eleição e suas consequências, o pleito evidenciou o que os iranianos vêm pedindo há anos: mais integração na economia mundial, melhor relação com o exterior, mais proteção para os direitos civis e mais oportunidades de trabalho. Todos os candidatos prometeram isso, até Ahmadinejad. Há, portanto, um reconhecimento unânime dos problemas do Irã, com propostas diferentes para abordá-los.
Apesar da severa repressão contra liberdades civis nos últimos seis meses, o regime terá de se adaptar para atender às demandas populares. Acho que estamos vendo um Irã mais democrático tomar forma.

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