São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

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ARTIGO

As duas escolhas de Obama

AKIVA ELDAR
DO "HAARETZ"

Em março de 1948, quando o então secretário de Estado americano George Marshall informou o presidente Harry Truman de que não pretendia votar nele devido a seu apoio à criação do Estado de Israel, Marshall argumentou que a decisão contrariava os interesses dos EUA e acusou Truman de apoiar a criação de Israel por motivos eleitorais, ou seja, as doações e os votos dos eleitores judeus americanos.
Marshall foi um pouco injusto. O Holocausto dos judeus da Europa também influenciou o apoio de Truman ao estabelecimento de um Estado judaico.
Na época, a perspectiva de um presidente negro na Casa Branca parecia ficção científica.
Barack Obama recebeu os votos e doações de campanha de cerca de 80% dos judeus dos EUA, ainda que seu rival, John McCain, tenha declarado apoio mais claro a Israel. Os israelenses eram o único povo do mundo cuja esperança era a de uma vitória republicana. O novo presidente pode, assim, se permitir uma reavaliação do "relacionamento especial" entre EUA e Israel, especialmente no que tange aos valores compartilhados pelos dois países e à contribuição israelense aos interesses americanos.
Que valores compartilhados o liberal [progressista] negro americano terá observado nos últimos dias ao assistir às notícias que mostravam locais bombardeados por Israel na região mais densamente povoada do planeta? Será possível esperar que a memória dos horrores do Holocausto influencie o relacionamento de Obama com Israel? Na semana passada, um membro judaico do Parlamento britânico afirmou que sua avó não havia sido assassinada pelos nazistas a fim de dar um pretexto para que soldados israelenses assassinem avós palestinas em Gaza.
O porta-voz do consulado israelense em Nova York se vangloriou das massas que compareceram a uma demonstração de solidariedade às crianças de Sderot. Ele não mencionou as massas de judeus que não sabem onde esconder sua vergonha diante das imagens de palestinos chorando amargamente a morte de suas famílias.
Os porta-vozes de Israel tentam lidar com essa questão de valores com o seguinte argumento: "Os EUA teriam se contido em sua reação diante de disparos de foguetes vindos do México e que tomem por alvo suas crianças em seu território soberano?" É difícil acreditar que uma comparação como essa impressione Obama, um homem inteligente e informado.
O México não está sob bloqueio aéreo e naval dos EUA e tampouco é considerado um território ocupado sob as leis internacionais. O Exército dos EUA e colonos americanos não controlam partes do território mexicano há 41 anos (e os EUA estavam entre os fiadores dos Acordos de Oslo, que dispunham que a faixa de Gaza e a Cisjordânia são uma entidade política una).
Quanto à contribuição de Israel aos interesses dos EUA, o segundo componente do "relacionamento especial", ela está em dúvida já há anos. A cada vez que judeus matam árabes nos territórios ocupados, bandeiras americanas são queimadas no Egito e na Jordânia. Em suas duas guerras contra o Iraque, os EUA conseguiram (ou não conseguiram) se virar sem a ajuda de Israel e chegaram a agradecer ao governo israelense por se manter afastado. E o temor do lobby pró-Israel ocasionalmente compele o governo e o Congresso a subordinarem a política americana à israelense, o que viola os interesses dos EUA. Não existe melhor exemplo disso do que a hesitação dos dois últimos governos americanos em criticar a expansão continuada das colônias, que contraria os acordos de Oslo, o plano de paz proposto pelos próprios israelenses e a declaração de Annapolis.
Obama tem duas escolhas. A primeira é permitir que Israel sangre e mate até se tornar um país que vive em apartheid, sob o ostracismo do mundo, limitando-se a observar enquanto Israel coloca em risco a paz do Oriente Médio e solapa os interesses americanos, como previu Marshall. A segunda é manter o apoio a Israel em seu esforço pela paz e preservar seus aspectos judaicos e morais, a caminho da aceitação regional oferecida por 22 países árabes até o momento. Ou, em outras palavras, concluir o trabalho que Truman iniciou.


AKIVA ELDAR é jornalista israelense, autor de "Lords of the Land: The War Over Israel? Settlements in the Occupied Territories, 1967-2007" (Senhores da terra: a guerra sobre Israel? Assentamentos nos territórios ocupados, 1967-2007)

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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