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ARTIGO
As duas escolhas de Obama
AKIVA ELDAR
DO "HAARETZ"
Em março de 1948, quando o
então secretário de Estado
americano George Marshall informou o presidente Harry
Truman de que não pretendia
votar nele devido a seu apoio à
criação do Estado de Israel,
Marshall argumentou que a decisão contrariava os interesses
dos EUA e acusou Truman de
apoiar a criação de Israel por
motivos eleitorais, ou seja, as
doações e os votos dos eleitores
judeus americanos.
Marshall foi um pouco injusto. O Holocausto dos judeus da
Europa também influenciou o
apoio de Truman ao estabelecimento de um Estado judaico.
Na época, a perspectiva de um
presidente negro na Casa Branca parecia ficção científica.
Barack Obama recebeu os
votos e doações de campanha
de cerca de 80% dos judeus dos
EUA, ainda que seu rival, John
McCain, tenha declarado apoio
mais claro a Israel. Os israelenses eram o único povo do mundo cuja esperança era a de uma
vitória republicana. O novo
presidente pode, assim, se permitir uma reavaliação do "relacionamento especial" entre
EUA e Israel, especialmente no
que tange aos valores compartilhados pelos dois países e à
contribuição israelense aos interesses americanos.
Que valores compartilhados
o liberal [progressista] negro
americano terá observado nos
últimos dias ao assistir às notícias que mostravam locais
bombardeados por Israel na região mais densamente povoada
do planeta? Será possível esperar que a memória dos horrores
do Holocausto influencie o relacionamento de Obama com
Israel? Na semana passada, um
membro judaico do Parlamento britânico afirmou que sua
avó não havia sido assassinada
pelos nazistas a fim de dar um
pretexto para que soldados israelenses assassinem avós palestinas em Gaza.
O porta-voz do consulado israelense em Nova York se vangloriou das massas que compareceram a uma demonstração
de solidariedade às crianças de
Sderot. Ele não mencionou as
massas de judeus que não sabem onde esconder sua vergonha diante das imagens de palestinos chorando amargamente a morte de suas famílias.
Os porta-vozes de Israel tentam lidar com essa questão de
valores com o seguinte argumento: "Os EUA teriam se contido em sua reação diante de
disparos de foguetes vindos do
México e que tomem por alvo
suas crianças em seu território
soberano?" É difícil acreditar
que uma comparação como essa impressione Obama, um homem inteligente e informado.
O México não está sob bloqueio aéreo e naval dos EUA e
tampouco é considerado um
território ocupado sob as leis
internacionais. O Exército dos
EUA e colonos americanos não
controlam partes do território
mexicano há 41 anos (e os EUA
estavam entre os fiadores dos
Acordos de Oslo, que dispunham que a faixa de Gaza e a
Cisjordânia são uma entidade
política una).
Quanto à contribuição de Israel aos interesses dos EUA, o
segundo componente do "relacionamento especial", ela está
em dúvida já há anos. A cada
vez que judeus matam árabes
nos territórios ocupados, bandeiras americanas são queimadas no Egito e na Jordânia. Em
suas duas guerras contra o Iraque, os EUA conseguiram (ou
não conseguiram) se virar sem
a ajuda de Israel e chegaram a
agradecer ao governo israelense por se manter afastado. E o
temor do lobby pró-Israel ocasionalmente compele o governo e o Congresso a subordinarem a política americana à israelense, o que viola os interesses dos EUA. Não existe melhor
exemplo disso do que a hesitação dos dois últimos governos
americanos em criticar a expansão continuada das colônias, que contraria os acordos
de Oslo, o plano de paz proposto pelos próprios israelenses e a
declaração de Annapolis.
Obama tem duas escolhas. A
primeira é permitir que Israel
sangre e mate até se tornar um
país que vive em apartheid, sob
o ostracismo do mundo, limitando-se a observar enquanto
Israel coloca em risco a paz do
Oriente Médio e solapa os interesses americanos, como previu Marshall. A segunda é manter o apoio a Israel em seu esforço pela paz e preservar seus
aspectos judaicos e morais, a
caminho da aceitação regional
oferecida por 22 países árabes
até o momento. Ou, em outras
palavras, concluir o trabalho
que Truman iniciou.
AKIVA ELDAR é jornalista israelense, autor de
"Lords of the Land: The War Over Israel? Settlements in the Occupied Territories, 1967-2007"
(Senhores da terra: a guerra sobre Israel? Assentamentos nos territórios ocupados, 1967-2007)
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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