São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

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ARTIGO

Direitos humanos e o lamento de Milanés

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a interinidade de Raúl, a situação dos direitos humanos em Cuba melhorou, piorou ou se manteve estável? É importante sabê-lo como um marco de projeção para o futuro. De acordo com relatório da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CDHRN), o regime simplesmente mudou de táticas desde que Raúl assumiu o poder.
No ano passado, o número de dissidentes presos caiu de 283 para 234. Mas não é aceita a noção de melhoria, em razão do fato de que somaram pelo menos 325 as prisões temporárias, por dias ou horas, feitas "de modo arbitrário".
As autoridades cubanas não reconhecem a comissão. Dizem que ela deve sua existência ao apoio que recebe dos Estados Unidos. Não teria autenticidade e tampouco credibilidade. Mas seus relatórios e denúncias conseguem bons espaços em publicações estrangeiras de peso, como "Le Monde", de Paris, que divulgou denúncias de dissidentes falando de "recrudescimento da repressão por meio de prisões temporárias e de manifestações de hostilidade contra opositores".

Payá e igreja
Um dos dissidentes de maior prestígio, no entanto, Oswaldo Payá, parece ter optado por fixar-se em outras questões, como se procurasse brechas onde possa penetrar com suas conclusões e proposições. Payá insiste em que a grande novidade dos últimos meses é a constatação de que "todos os cubanos afinal pensam que o fim do regime é possível". A própria Igreja Católica sai aos poucos de sua "discrição" e sugere como procedimento que parece considerar viável a adoção de um "processo gradual de mudanças".
Não chega a especificar que transformações seriam essas. Alguns bispos avançaram um pouco mais, assegurando que a população aguarda "com ansiedade" o que possa acontecer de diferente das últimas décadas. "Cuba deve se abrir ao mundo e o mundo deve ser abrir a Cuba", disse o segundo do Vaticano no décimo aniversário da ida do papa a Cuba.
Payá criou um novo movimento de dissidentes cujo nome identifica objetivos. É o Comitê Cidadão de Reconciliação e Diálogo. Payá não quer traumas, golpes, invasões ou algo do gênero. Propõe conversas de alto nível em Havana com o objetivo de determinar e liberar o que os cubanos guardam na alma e de acertar a adoção de leis que resguardem as liberdades individuais.
Mandou um recado aos americanos. Não só o regime comunista deve perguntar aos cubanos o que eles querem. Também o governo Bush deve perguntar o que querem os cubanos, em vez de repetir discursos agressivos que estariam dando, como sempre, mais munição aos detentores do poder.
Assunto na cabeça de qualquer agenda de diálogo é a proibição de viagens ao exterior, tema de uma das últimas composições de Pablo Milanés. Diz ela: "Meu irmão Jacinto, que vive em Havana, não sabe que sua filha, que teve uma neta, que ainda não conheceu, ficará sabendo que sua mãe morreu de repente. As autoridades não deixam que ele saia". Fecha com as seguintes reflexões: "Valeu a pena, pergunto, não sei. Valeu a pena, respondo não sei". Milanês é amado em Cuba e tornou-se cancioneiro do regime. Seu último show no México foi dedicado aos 80 anos de Fidel Castro.


O jornalista NEWTON CARLOS é analista de questões internacionais


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