São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE

Fidelidade militar a ditador poderá decidir conflito líbio

OLIVER MILES
DO "GUARDIAN"

Dois fatores podem ser cruciais: se a violência chegará ou não a Trípoli e se o Exército continuará ou não a disparar contra civis.
As revoluções na Tunísia e no Egito nos pegaram de surpresa, e ainda não se sabe qual será seu desenlace final.
Na Líbia, os distúrbios começaram na última quarta-feira, aparentemente desencadeados pela prisão de um advogado e ativista dos direitos humanos.
Foi um aquecimento para o "dia de fúria" planejado para a quinta-feira, em memória de uma manifestação realizada em Benghazi em 2006, na qual cerca de uma dúzia de pessoas foi morta.
Na sexta-feira, já houve funerais, e as orações do meio-dia nas mesquitas serviram de plataforma de lançamento de manifestações.
Desde então, tumultos violentos se espalharam por todo o país, com a importante exceção da capital, Trípoli, onde a situação tem estado tensa, porém não houve violência grave.
Na segunda maior cidade do país, Benghazi, tradicional rival de Trípoli, e em outras partes do país, a solidariedade tribal é forte.
Em muitos casos, os manifestantes têm conseguido o apoio da polícia local e até mesmo dos comitês revolucionários locais, o núcleo duro de apoio ao regime.
A violência contra os manifestantes tem vindo do Exército ou das chamadas milícias, lideradas por parentes de Muammar Gaddafi.
As informações disponíveis são incompletas, mas foram usadas metralhadoras e outras armas pesadas. O número de mortos horrorizou a população e o mundo.
Em Trípoli, vêm acontecendo grandes e barulhentas manifestações pró-governo nas quais o próprio Gaddafi foi visto tomando parte, com sua típica ousadia arrogante.
Ouvem-se muitas histórias, mas sem comprovação absoluta, segundo as quais os manifestantes pró-governo em Trípoli e em outros lugares incluíram mercenários provavelmente do Chade.
É claro que uma arma importante nas mãos do regime é o dinheiro, que deve ter sido usado à mão solta para organizar e pagar por atividades pró-governo.
A Líbia não tem divisões religiosas, e não houve envolvimento de fundamentalismo islâmico.
Alguns líderes religiosos conhecidos lançaram um chamado pelo fim da violência. Consta que imãs em mesquitas teriam se recusado a usar roteiros aprovados pelo governo em seus sermões.
Inicialmente os manifestantes estavam reivindicando reformas e o fim da corrupção. Agora a reivindicação é especificamente a saída de Gaddafi.
Este não se renderá facilmente. A resolução do conflito parece depender de dois fatores: os distúrbios chegarão ao ambiente urbano diferente de Trípoli?
E o Exército -composto de líbios, não de mercenários, e portanto aberto a influências tribais desconhecidas- vai continuar a dispor-se a atirar contra civis desarmados?

OCIDENTE
O levante na Líbia mostra que nossa obsessão com o perigo da violência jihadista, o mantra de Tony Blair de que "o 11 de Setembro mudou tudo", não tem ajudado na compreensão e resolução dos problemas da região.
Contudo, não concluo que o Reino Unido, os EUA ou o "Ocidente" devam ser vistos como culpados nem que devam intervir.
Podemos condenar o uso de violência para finalidades políticas, e o fazemos. Mas, se fizermos de conta que podemos controlar os acontecimentos de alguma maneira, estaremos apenas dando credibilidade às alegações inverossímeis de ingerência estrangeira.

Oliver Miles é ex-embaixador do Reino Unido na Líbia


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