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"Guerra é por petróleo", acusa desertor dos EUA
Sargento que não quer voltar ao Iraque por achar conflito injusto pode ficar dez anos preso
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
"É uma guerra por petróleo e dinheiro." A opinião sobre o conflito no Iraque vem de onde o presidente dos EUA, George W. Bush,
menos esperaria: das fileiras do
Exército americano. Seu autor é o
sargento Camilo Mejía, 28, nascido na Nicarágua, mas integrante
do Exército dos EUA desde 1995.
Sua opinião sobre o conflito, ele
diz, foi formada enquanto trocava
tiros com os defensores do regime
de Saddam Hussein. "Tudo o que
disseram para a população americana e para o mundo para justificar essa guerra era mentira."
Ele passou mais de seis meses
lutando em Ramadi, a noroeste
de Bagdá. Em outubro passado,
voltou aos EUA para um descanso de duas semanas. Decidiu que
não mais voltaria para a guerra.
Na última segunda-feira, após
passar cinco meses escondido, ele
apresentou-se às autoridades militares e pediu dispensa da Guerra
do Iraque e do Exército, alegando
razões de consciência.
"Tomei a decisão de discordar
dessa guerra", disse ao se apresentar na base de Hanscom, perto
de Boston.
Mejía recebeu a ordem de seguir
para a sua unidade da Guarda Nacional, em Miami, na Flórida, onde visitou sua filha, de três anos.
Ele passou os últimos meses longe
da família, dormindo na casa de
amigos, em Nova
York e Boston.
Agora, está detido numa base militar no Estado da
Geórgia, de onde
não pode sair sem
permissão dos comandantes, segundo seu advogado, Louis Font.
De lá, concedeu
entrevista por telefone à Folha.
Ele aguarda para saber se será
processado por
deserção ou se seu
pedido de dispensa do Exército será
aceito. Pode pegar
até dez anos de
prisão.
Mejía, que não é
cidadão americano, alistou-se em
1995, um ano após
chegar aos EUA
-onde não há
serviço militar
obrigatório, mas,
uma vez alistado,
o novo soldado
compromete-se a
servir por oito
anos.
Após esse período, ele pode deixar o Exército, a não ser que esteja
cumprindo funções de combate
no momento do término do contrato. É o caso de Mejía.
Camilo Mejía - Antes de começarmos, quero dizer que adoro
o Brasil, o samba, o futebol e Lula.
Folha - O sr. sabe que o presidente do Brasil se opôs à guerra?
Mejía - Sei. Eu também me oponho à guerra.
Folha - Por quê?
Mejía - Porque é uma guerra por
petróleo e dinheiro. Mas essa é
apenas uma entre várias razões.
Outra forte razão, que aprendi enquanto estava no Iraque, é que a
guerra nunca é justa.
Quando participávamos de
combates, as pessoas que nos atacavam não morriam, nós também
não. As pessoas que realmente
morriam nesses combates eram
inocentes, pessoas pegas no meio
da troca de tiros. Na maioria das
vezes.
Folha - Onde o sr. lutou?
Mejía - Lutei em Ramadi. Fica
cerca de 60 km a noroeste de Bagdá. É uma cidade bastante perigosa, onde Saddam tinha dois palácios e grande apoio popular. Houve forte resistência. Era um dos
piores lugares no Iraque.
Folha - Qual a sua função?
Mejía - Era soldado de infantaria, responsável por um pelotão
de oito homens.
Folha - Como líder de seu pelotão, o sr. tentava evitar que pessoas inocentes fossem atingidas?
Mejía - Na maior parte do tempo, era difícil, porque fazíamos
parte de um grupo maior, de uma
companhia. Mas sempre que meu
grupo saía para fazer missões, eu
tentava manter todo mundo a salvo e à distância dos combates.
Folha - O sr. disse que essa guerra
é particularmente imoral. Por quê?
Mejía - Consigo entender o argumento de quem defende uma
guerra contra Hitler, por exemplo. Há pessoas que dizem que há
guerras justas. Vamos supor que
exista isso. Pois essa, certamente,
não é. Tudo o que levou a ela
-armas de destruição em massa,
ligações entre Saddam e a Al Qaeda, compra de urânio da África,
perigo de ataque iminente-, tudo o que disseram para a população dos EUA e para o mundo para
justificar essa guerra era mentira.
Folha - O sr. atentou para isso já
no Iraque ou chegou a pensar nisso
antes de embarcar?
Mejía - Não havia guerra quando
fui para lá. Era o princípio de março. Havia grande oposição ao ataque, a ONU não havia aprovado a
invasão, Saddam estava tentando
desesperadamente evitar a guerra, destruindo mísseis e tentando
negociar, e países como França,
Alemanha, Canadá, China e Rússia se opunham ao conflito.
Não acreditei que realmente
iríamos à guerra.
Pensei que faríamos uma grande
demonstração de
força para tirar
Saddam do poder.
Uma vez que a
guerra começou,
todo o questionamento acabou.
Porque estávamos
sendo atacados. Se
dirigíamos por
uma estrada,
qualquer troço
podia ser uma
bomba. A principal preocupação
passa a ser permanecer vivo. Mas,
quando você volta
para casa e começam a perguntar o
que aconteceu,
você começa a se
questionar por
que fez aquilo, por
que estava lá. A
resposta é: petróleo. É completamente imoral.
Folha - O sr. voltou em outubro
passado, para passar duas semanas.
Todo soldado tem direito a folga?
Mejía - O Exército tem um programa chamado, se não me engano, "Descanso e Relaxamento". A
idéia é que, se você vai passar um
ano lá, depois de seis meses tenha
um intervalo de duas semanas para voltar para casa e passar um
tempo com a família.
Folha - O sr. conversava com outros soldados sobre suas idéias?
Havia outras pessoas que pensavam como o sr.?
Mejía - Deixe-me dizer uma coisa sobre o Exército: as pessoas não
acham que podem se expressar.
Elas têm medo de dizer o que pensam. Sei que há muitas pessoas
contrárias à guerra, mas elas não
ficam dizendo isso. Você sempre
tem medo de ser punido.
Mas, desde que me entreguei,
muitos dos meus amigos da minha unidade no Iraque disseram
que me apóiam, que testemunharão a meu favor se necessário.
Muitos deles têm suas próprias
queixas, dizem que sofreram abusos de seus superiores.
Folha - Como foram esses cinco
meses antes de se entregar?
Mejía - Fiquei na casa de amigos
e falei o tempo todo com meu advogado. Trabalhei no meu pedido
de dispensa por motivos de consciência. Vivi uma vida pacata e
busquei não chamar atenção.
Folha - O sr. viu sua filha nesse
período?
Mejía - Não. Eu a vi por quatro
ou cinco horas antes de vir para
essa base.
Folha - Por que o sr. decidiu entrar para o Exército?
Mejía - Estava tentando formar
minha identidade e fazer parte
dessa sociedade. O Exército pareceu uma boa opção para me juntar às pessoas e chegar ao centro
desse país.
Folha - O sr. tem direito a voto
nos EUA?
Mejía - Não, eu não sou cidadão
americano.
Folha - O sr. gosta dos EUA?
Mejía - Sim. Eu acho que o governo mentiu. Mas gosto da liberdade de expressão, identifico-me
com as pessoas, minha filha nasceu aqui, eu terminei o ensino
médio e fui à universidade aqui.
Morei aqui quase tanto tempo
quanto na Nicarágua. Não se pode julgar a sociedade americana
por seu governo.
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