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TV dos EUA para árabes espera ajudar moderados
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
A contrapartida americana à
TV qatariana Al Jazira -que ganhou destaque na Guerra do Iraque ao oferecer ao mundo, em inglês, a cobertura sob a ótica árabe- demorou, mas veio com objetivo claro: dar voz -e poder-
aos moderados da região.
"É importante podermos ao
menos competir no mercado
ideológico", diz o radialista americano Norman Pattiz, 61, que desenvolveu a Al Hurra ("aquela
que é livre"), a rede americana para o público árabe. "Mas só tentamos persuadir os persuasíveis."
Na última segunda, a Al Hurra
passou a transmitir 24 horas por
dia -14 de noticiário- em 22
países. Com orçamento reduzido
(US$ 62 milhões para 2004) e uma
equipe de 75 jornalistas vindos da
região-alvo, além de alguns americanos de ascendência árabe, a
rede sediada em Springfield (Virgínia) quer alcançar o mesmo público da Al Jazira: 30 milhões.
Pattiz é veterano na área- fundou a Westwood One, maior produtora de conteúdo de rádio dos
EUA, e dirige o comitê de Oriente
Médio do Conselho Regulador da
Radiodifusão, agência federal que
supervisiona a radiodifusão internacional dos EUA. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista
que ele concedeu à Folha, por telefone, de Los Angeles, onde vive.
Folha- Como se chegou à decisão
de criar um canal de TV americano
para o Oriente Médio?
Norman Pattiz - Qualquer um familiarizado com a mídia na região
sabe que há um alto teor de discursos de ódio no rádio e na TV,
de incitação à violência, de desinformação, de censura estatal e até
de autocensura entre os jornalistas. Até a criação da rádio Sawa
[2002], os EUA não tinham quase
acesso à região. E a Sawa, uma estação claramente americana, começou a fazer sucesso.
Folha - Como foi vista a cobertura
da Guerra do Iraque pela Sawa?
Pattiz -Eu diria que foi bem
equilibrada. A missão do conselho é dar um exemplo de livre imprensa. Nossos espectadores não
são burros, não estamos no negócio da propaganda ideológica
nem no de operações psicológicas. Se tivermos um produto que
os espectadores achem crível, eles
continuarão nos ouvindo.
Folha - Mas o conselho é ligado ao
governo. Não há pressões?
Pattiz - Um de nossos principais
papéis é servir de filtro entre a independência dos jornalistas e as
pressões que nos são impostas pelo governo ou pelo Congresso.
Folha - Como está a aceitação da
Al Hurra pela população da região?
Pattiz -Não temos como saber
ainda, pois estamos no ar há pouco tempo. A imprensa árabe foi
extremamente dura, mas grande
parte das críticas começou antes
de irmos ao ar. Mas também recebemos milhares de e-mails positivos de gente que está nos assistindo. Como nosso público-alvo não
é a mídia, neste momento nos interessa qualquer coisa que faça as
pessoas saberem que estamos lá.
Folha - Como é a relação de vocês
com a Al Jazira?
Pattiz - Eu os conheço bem. O
xeque Hamad al Thani, diretor da
Al Jazira, foi o primeiro a dar permissão para a Rádio Sawa ter uma
freqüência FM, e o pessoal da Al
Jazira rompeu alguns tabus muito
importantes na região.
Folha - Sem a Al Jazira haveria
maior dificuldade para a Al Hurra?
Pattiz - Com certeza a ascensão
da TV por satélite na região, da
qual a Al Jazira é o melhor exemplo, não só tornou possível como
também necessária a criação da
Al Hurra. Mas provavelmente deveríamos ter criado a Al Hurra há
anos, quando esse tecnologia surgiu. Cerca de 60% das pessoas
dessa região têm menos de 25
anos, uma bolha populacional
enorme que não tem ainda um
bom senso de história. Aí vem a
TV por satélite, capaz de cobrir
todos os países da região, apresentando informações de uma
maneira até então inédita e que,
na nossa opinião, pode radicalizar
essa população que está crescendo e criar grandes problemas. É
por isso que é tão importante podermos ao menos competir no
mercado ideológico.
Folha - A cobertura do conflito israelo-palestino pelo canal é tida
como enviesada por alguns críticos. Como o sr. a vê?
Pattiz - Não acho enviesada,
acho precisa. A abordagem da crise israelo-palestina pela imprensa
tem base no que ocorre hoje, com
pouco contexto. Mas a crise não
surgiu hoje, ela surgiu em 1948
[com a criação de Israel] e tomou
maior proporção em 1967 [com a
Guerra dos Seis Dias]. Antes de
1967 não eram os israelenses que
estavam nessas áreas, mas os
egípcios e os jordanianos, que poderiam ter criado um Estado palestino a qualquer hora, mas não o
fizeram. Quando seis países invadiram Israel, em 1967, Israel teve
de se mover para o que hoje são os
territórios ocupados. Acho que
esse tipo de informação deve ser
acrescido ao debate. Sem contexto histórico só sobra paixão.
Folha - A Al Hurra vai dar exatamente esse contexto?
Pattiz - Sim. Queremos apresentar o quadro geral, para que as
pessoas julguem com o máximo
de informação possível. O que esperamos é ser um canal que dê
voz aos moderados, que na região
não têm muito espaço.
Folha - Isso é um meio de dar poder a eles.
Pattiz - Sim, com certeza.
Folha - É uma meta dos EUA?
Pattiz - É... Quer dizer, conseguir
expor a visão dos moderados é
nosso objetivo, mas pretendemos
promover debates acirrados entre
pessoas com pontos de vista mais
radicais e mais moderados.
Folha - Haverá espaço para falar
de religião?
Pattiz - Com certeza, noticiaremos eventos religiosos importantes, por serem notícia, mas não
promoveremos nenhuma religião. Podemos ter mesas-redondas sobre aspectos religiosos envolvendo um determinado fato.
Folha - Os jornalistas vão aparecer no vídeo no estilo ocidental?
Pattiz -A maioria sim, mas há alguns que preferem roupas tradicionais islâmicas, inclusive a cabeça coberta. Temos sucursais na
região, então haverá muita gente
vestida conforme a tradição local.
Já os apresentadores devem optar
pelo estilo ocidental.
Folha - Vocês estão recebendo
críticas por isso?
Pattiz -Recebemos alguns e-mails bem fortes, embora as mensagens negativas sejam uns 2% do
total. Há quem ache que sejamos
controlados pelos israelenses ou
que façamos parte de uma operação da CIA.
Folha - Recentemente, uma reação negativa do público árabe tirou do ar a versão local do "Big Brother". Como a Al Hurra vai lidar
com uma platéia mais sensível em
termos comportamentais?
Pattiz - Bom, já houve até fatwas
[decretos religiosos] emitidos por
líderes islâmicos proibindo os
fiéis de ver a Al Hurra.
Folha - Onde?
Pattiz - Na Arábia Saudita e em
mais uns dois lugares. Mas só tentamos persuadir os persuasíveis.
Não é nosso trabalho promover a
política americana, e sim descrevê-la precisamente, debatê-la, para que as pessoas entendam que,
numa democracia, pode-se discordar do governo. Só que as políticas desse governo são extremamente impopulares, e nós seremos vistos, inicialmente, como
uma organização de propaganda
ideológica. O único jeito de contestar isso é mostrar imparcialidade. Sem credibilidade, estaremos
fadados ao fracasso.
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