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Fiasco espanhol fere Bush, diz analista
Para o americano Charles Kupchan, queda de Aznar enfraquece coalizão que ocupa o Iraque e favorece bloco franco-alemão
Na percepção européia, a Guerra do Iraque prejudicou a guerra ao terrorismo internacional
Para os líderes do Reino Unido, da Itália e da Polônia, é bom que não haja eleições iminentes
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MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A derrota do Partido Popular,
do premiê José María Aznar, na
eleição legislativa espanhola, no
último domingo, foi bastante significativa, pois representou uma
derrota para a administração do
presidente dos EUA, George W.
Bush, e demonstrou que um de
seus aliados europeus teve sua
atuação repudiada pela população. Isso significa que a coalizão
internacional que apóia a presença americana no Iraque está se
tornando mais fraca.
A análise é de Charles Kupchan,
diretor de estudos europeus do
Council on Foreign Relations
-um dos mais reputados "think
tanks" americanos-, que foi
membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA durante
o governo de Bill Clinton (1993-2001) e é autor de, entre vários outros, "The End of the American
Era: U.S. Foreign Policy and the
Geopolitics of the Twenty-First
Century" (o fim da era americana:
a política externa dos EUA e a
geopolítica do século 21).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Que impacto sobre as relações transatlânticas terá a decisão
do futuro premiê espanhol, José
Luis Rodríguez Zapatero, de retirar
suas tropas do Iraque se a ONU não
passar a controlar a reconstrução?
Charles Kupchan - A eleição de
Zapatero foi bastante significativa, pois representou uma derrota
para a administração de Bush e
demonstrou que um de seus aliados na Europa teve sua atuação
repudiada pela população. Isso
significa que a coalizão que apóia
a presença dos EUA no Iraque está se tornando mais frágil.
A segunda mudança importante desencadeada pela eleição espanhola é que deverá haver uma
mudança do equilíbrio de poder
na União Européia, dando mais
força à posição franco-alemã e
distanciando o bloco da posição
pró-EUA de alguns de seus membros. Isso poderia afetar as relações transatlânticas no que concerne ao Iraque e a uma miríade
de questões ligadas a temas europeus e multilaterais.
Por exemplo, a Espanha era a
principal aliada da Polônia no que
tange a bloquear a reforma do sistema de votação da UE. O futuro
governo espanhol já expressou
sua intenção de deixar de fazê-lo,
o que deverá acelerar a aprovação
da Constituição européia.
Há ainda duas outras conseqüências potenciais. Primeiro, o
que ocorreu na Espanha reabre a
questão do apoio aos EUA em
países como o Reino Unido, a Polônia e a Itália. Ainda não temos
certeza de que isso vá acontecer,
porém a intenção espanhola deverá pôr de volta na agenda política desses países temas que já estavam quase esquecidos.
Segundo, se a Espanha retirar
seus soldados do Iraque, essa ação
certamente criará problemas para
as forças que permanecerão no
país e poderá tornar menos provável que a Otan [aliança militar
ocidental] aceite desempenhar
um papel no Iraque depois da devolução do poder aos iraquianos.
Folha - O sr. crê que alguns países
do Leste Europeu possam ter um
papel mais importante no Iraque,
substituindo os espanhóis?
Kupchan - É possível. Afinal, são
apenas cerca de 1.300 soldados espanhóis. A coisa talvez seja mais
complexa no que se refere ao comando de tropas de outros países,
mas, ainda assim, não creio que a
situação seja complicada demais.
Contudo acredito que o impacto
da possível ação espanhola seja,
em sua essência, mais simbólico
do que prático ou militar.
Folha - Trata-se de um duro golpe
na guerra ao terror protagonizada
por Washington, não é?
Kupchan - Sua pergunta toca
num ponto crucial. A maioria dos
europeus distinguem a guerra ao
terror da Guerra do Iraque. Na
percepção européia, a Guerra do
Iraque prejudicou a guerra ao terrorismo internacional. Nos EUA,
por outro lado, ambas as guerras
são freqüentemente vistas como
partes do mesmo esforço. Essa diferença de percepção constitui
uma parte da tensão existente hoje entre os aliados transatlânticos.
Folha - Essa situação faz aumentar a pressão sobre o premiê britânico, Tony Blair, e sobre seu colega
italiano, Silvio Berlusconi?
Kupchan - Ainda é cedo para
analisar essa questão. Para os líderes políticos do
Reino Unido, da
Itália e da Polônia, todavia, é
bom que não haja
eleições iminentes em seus países. Se houvesse
eleições em breve, o efeito de
contágio da eleição espanhola
certamente seria
bem expressivo.
É lógico, entretanto, que os líderes políticos desses países passarão a sofrer mais pressão de seus
opositores, visto que a oposição
de Zapatero à presença espanhola
no Iraque e o resultado do pleito
legislativo espanhol deram novo
alento aos que se opõem à ocupação do Iraque.
Folha - É possível que os EUA decidam conceder mais poder à ONU no
Iraque para tentar evitar a retirada
das tropas espanholas e outras repercussões negativas para sua
atual administração?
Kupchan - Creio que, por conta
da aproximação das eleições americanas, que ocorrerão em novembro, o
governo de Bush
gostaria de reduzir
sua exposição no
Iraque, demonstrando que pode
compartilhar responsabilidades com
seus aliados.
Haverá, nos próximos meses, uma
série de manobras
diplomáticas cujo
objetivo será obter
um maior envolvimento da ONU e da
comunidade internacional na reconstrução iraquiana. Assim, Bush poderá mostrar
aos americanos que suas tropas
estão deixando o Iraque e que a
responsabilidade pela administração da reconstrução do país está sendo entregue a um órgão e a
uma iniciativa internacionais.
Ainda não sabemos como isso
ocorrerá. Haverá uma nova resolução da ONU? Penso que isso seja um passo necessário se a administração de Bush quiser contar
com a participação da Otan nos
esforços relacionados ao Iraque.
Folha - O envolvimento da Otan
na reconstrução
do Iraque é vital?
Kupchan - Isso
seria bom para a
aliança ocidental,
que não tem feito
muita coisa nos
últimos tempos.
Se a Otan aceitasse ter um papel
no Iraque, os
EUA passariam a
vê-la como algo
mais relevante
para seus interesses relacionados à
defesa e à segurança. Se não quiser envolver-se na situação, creio
que a aliança venha a ter um futuro bem menos promissor.
Folha - A médio e a longo prazos,
como os europeus reagirão aos
atentados de Madri?
Kupchan - Haverá alguns paralelos com o que fizeram os EUA no
âmbito da segurança interna. Indubitavelmente, os europeus intensificarão o intercâmbio de informações sobre terroristas, a
imigração será mais controlada, e
existirá uma maior cooperação
entre as forças de
segurança dos países-membros da
UE. Haverá mais vigilância e um maior
controle policial em
aeroportos e em estações ferroviárias.
Não creio, contudo, que a resposta
européia seja similar à americana no
que se refere à política externa, às políticas para o Oriente
Médio ou à guerra
ao terrorismo global. Em parte, isso
ocorrerá porque muitas medidas
já foram tomadas pelos americanos, e seria difícil imaginar que
outro tipo de contribuição para o
esforço americano os europeus
poderiam fazer.
Obviamente, ademais, inúmeros europeus não acreditam que a
Guerra do Iraque seja positiva para o combate à rede Al Qaeda. E
vários governos europeus sofrem
uma forte pressão popular no
sentido de evitar uma resposta cega ou dura demais aos atentados.
Folha - A força militar de reação
rápida européia sairá do papel?
Kupchan - Veremos uma maior
vontade política européia de dotar-se de capacidades militares
mais confiáveis e de buscar um
consenso sobre a defesa coletiva
do continente, sobretudo porque
o terrorismo atingiu o território
europeu e a Espanha deverá adotar uma posição mais pró-Europa. Há uma forte possibilidade de
que haja um aprofundamento da
integração européia, o que não
era possível antes.
Além disso, Blair deverá gradualmente levar o Reino Unido a
uma maior aproximação com a
Europa, e, na esfera da defesa, isso
ficará ainda mais claro. Esse fenômeno já começou, pois ele se encontrou com [Jacques] Chirac
[presidente francês] e com [Gerhard] Schröder [chanceler -premiê- alemão] e aprovou a criação de uma célula européia de
planejamento militar na Otan.
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