São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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Europa quer resposta menos ruidosa ao terror

DA REDAÇÃO

A reação européia aos atentados de Madri, que mataram 202 pessoas, não será tão "ruidosa" quanto a americana ao 11 de Setembro, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Anteontem, oito dias depois dos ataques, os ministros do Interior e da Justiça dos países-membros da União Européia concordaram em intensificar sua cooperação na luta contra o terrorismo global.
Eles decidiram criar o posto de comissário antiterrorismo da UE e estabelecer uma instância operacional de intercâmbio de informações na qual forças de segurança, autoridades judiciais e serviços secretos poderão compartilhar seus conhecimentos sobre a ameaça terrorista ao continente.
Inúmeras razões explicam a diferença entre a reação européia e a americana, segundo os analistas. Para Bruno Tertrais, responsável pelo Pólo Defesa e Estratégia da da Fundação pela Pesquisa Estratégica (França), "como os europeus convivem há muito tempo com o terrorismo [local ou regional], há menos dramatização" no continente.
De acordo com Tertrais, é errônea a impressão de que os EUA tenham restringido bastante as liberdades civis e de que a Europa não o fez. "Antes do 11 de Setembro, os EUA estavam atrasados em relação à Europa no que diz respeito à proteção contra a ameaça de ataques terroristas", apontou.
"Ademais, como o atual governo americano não teme parecer ser caricatural, anunciando sem moderação cada medida drástica que toma, as pessoas ficam com a impressão de que suas ações são mais restritivas que as européias", acrescentou Tertrais.
Segundo Michael Kreile, especialista em UE da Universidade Humboldt (Alemanha), tanto o bloco como um todo quanto seus Estados-membros individualmente tomaram inúmeras medidas para proteger o território europeu após o 11 de Setembro.
"Os europeus dotaram-se de um aparato de segurança forte, deram força à Europol, um órgão de polícia criminal intergovernamental que facilita a troca de informações entre as polícias nacionais, e à Eurojust, uma unidade de cooperação judicial, e instituíram o mandado de prisão europeu. O problema é que nem tudo vem sendo aplicado", indicou Kreile.
De fato, uma das conclusões às quais chegaram os ministros europeus reunidos em Madri anteontem é que os países da UE deverão acelerar o processo de implementação das medidas antiterror já tomadas.
Por exemplo, o mandato de prisão europeu ainda não é aplicado em países como a Alemanha e a Áustria.
"Os europeus buscarão melhorar o que já existe no continente. Por exemplo, a França e a Espanha já trabalham lado a lado com sucesso contra o terrorismo do ETA [grupo basco], porém ainda não o fazem em relação ao terrorismo islâmico. Isso terá de melhorar", ressaltou Tertrais.
Charles Kupchan, especialista em relações transatlânticas do Council on Foreign Relations (EUA), salientou que a expansão da UE para o Leste Europeu, que será concretizada em 1º de maio próximo, também constitui uma fonte de preocupação para as autoridades européias.
"Não há um controle das fronteiras tão rígido nos futuros países do bloco quanto existe nos atuais 15 membros. É claro que os grandes Estados da União Européia se preocupam com essa situação, pois a imigração clandestina pode ser usada por terroristas para infiltrar pessoas na Europa", disse Kupchan.

Comissário antiterror
Mesmo o comissário antiterror europeu não terá os mesmos poderes que Tom Ridge, secretário da Segurança Interna dos EUA -posto criado depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
"A luta antiterror européia não ocorre apenas na esfera continental. Há uma grande diferença entre os EUA e a UE, já que ela é um bloco que reúne Estados soberanos, não um país [como os EUA]. Assim, seria impossível que um comissário pudesse ter os poderes de que dispõe o secretário da Segurança Interna", analisou Kreile.
Ademais, como enfatizou Tertrais, várias medidas já foram tomadas no âmbito doméstico. "Seria errado pensar que o combate ao terror na Europa é uma exclusividade da UE. Muitas medidas restritivas já são aplicadas nos países do bloco, mas elas não são alardeadas como nos EUA."
Ele lembrou ainda que a percepção popular européia não é a de que todo o continente foi atacado por extremistas islâmicos em Madri. "Os europeus em geral crêem que a Espanha tenha sido alvo dos atentados, não a Europa como um todo", afirmou Tertrais.
Para Kreile, isso também se reflete na desaprovação à Guerra do Iraque. "Para os americanos, o conflito contra o regime do ex-ditador Saddam Hussein fez parte da guerra ao terrorismo global. Para a população e os políticos europeus, ela prejudicou o combate ao terror, já que provocou o caos num país árabe e muçulmano, dando ainda mais munição aos extremistas islâmicos."
Mesmo assim, a cooperação do serviço secreto dos EUA com os da Europa será reforçada. (MSM)


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