São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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Árabes desconfiam das intenções dos EUA

Analistas da região concordam com a necessidade de reformas, mas são céticos sobre democratização a partir do caso iraquiano

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um ano depois do início da Guerra do Iraque, árabes de diferentes localidades e profissões concordam que há necessidade de reformas urgentes no Oriente Médio, mas muitos desconfiam das intenções de Washington.
A leitura de jornais, conversas com especialistas e viagens à região revelam que os árabes não estão dispostos a oferecer o benefício da dúvida aos EUA e esperam ver mudanças concretas na região através de ações multilaterais e com base em fatores sociais, não exclusivamente econômicos.
Para o professor jordaniano Abu Khalil, "faltam medidas que convençam os árabes de que os EUA são bem-intencionados; até agora, o que se vêem são promessas não cumpridas e o aumento do extremismo, em ambos os lados, e do racismo contra árabes".
Abu Khalil critica a política do "ou conosco ou contra nós" e diz que, "à exceção de ditadores aliados dos EUA, os árabes não darão procuração a George W. Bush para que faça o que quiser da região; eles querem ser consultados".
O jornalista libanês Rami Khury acredita que a política adotada por Washington a partir do 11 de Setembro e a violência extremista da Al Qaeda contribuíram para recentes mudanças de governo.
"O ciclo de troca de governos e guerras preventivas de Bush se fechou com os eventos na Espanha. Se a Al Qaeda realizou os atentados em Madri, então testemunhamos o primeiro caso em que as táticas terroristas da Al Qaeda causaram mudança política numa democracia ocidental. Bush usou a força para mudar dois regimes e meio recentemente [Afeganistão, Iraque e metade na Palestina] e Osama bin Laden mudou um governo [o espanhol]."
Khury pondera que seria lamentável se "grupos terroristas atacassem civis em países ocidentais para mudar o governo através de eleições democráticas; por outro lado, pode-se dizer que o governo espanhol se distanciou brutalmente da opinião pública, já que a maioria dos espanhóis era contra o ataque ao Iraque".
"Será que o novo governo espanhol se sujeitou ao terrorismo islâmico [ao anunciar a provável retirada de suas tropas do Iraque], ou o governo de José María Aznar se sujeitou ao neoconservadorismo americano?", questiona. "Nós vimos o resultado da política de guerras preventivas para trocar governos e combater o terror apenas com base em meios militares. Isso não funciona."

Reformas
Para Shafiq Ghabra, presidente da Universidade Americana no Kuait, o fortalecimento da influência e da presença norte-americanas na região evidenciou a necessidade de reformas.
"Falar de reformas nos países árabes depois que o governo americano propôs isso, e não antes, é fonte de controvérsias. Nem se falava em reformas alguns meses atrás. E esse tema provavelmente vai desaparecer se a administração americana não insistir."
"O maior perigo não é o debate em torno de reformas impostas de fora, mas o mundo árabe evitar a autocrítica e a auto-reforma. O mundo árabe vem aderindo às propostas reformistas dos EUA por causa da fraqueza dele, não por convicção da necessidade."
Ghabra acredita que a hipótese de fortalecimento de grupos islâmicos seja usada como pretexto para manter a situação como está.
"Muitos preferem o status quo sob o pretexto de que mudanças democráticas resultariam no controle dos grupos islâmicos, já que são os movimentos mais organizados. Mas a pergunta que se faz é: onde estão as forças políticas e sociais árabes aptas a liderar o processo reformista? E existe uma agenda árabe de reformas independente das orientações americanas?"


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP


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