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Árabes desconfiam das intenções dos EUA
Analistas da região concordam com a necessidade de reformas, mas são céticos sobre democratização a partir do caso iraquiano
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um ano depois do início da
Guerra do Iraque, árabes de diferentes localidades e profissões
concordam que há necessidade
de reformas urgentes no Oriente
Médio, mas muitos desconfiam
das intenções de Washington.
A leitura de jornais, conversas
com especialistas e viagens à região revelam que os árabes não
estão dispostos a oferecer o benefício da dúvida aos EUA e esperam ver mudanças concretas na
região através de ações multilaterais e com base em fatores sociais,
não exclusivamente econômicos.
Para o professor jordaniano
Abu Khalil, "faltam medidas que
convençam os árabes de que os
EUA são bem-intencionados; até
agora, o que se vêem são promessas não cumpridas e o aumento
do extremismo, em ambos os lados, e do racismo contra árabes".
Abu Khalil critica a política do
"ou conosco ou contra nós" e diz
que, "à exceção de ditadores aliados dos EUA, os árabes não darão
procuração a George W. Bush para que faça o que quiser da região;
eles querem ser consultados".
O jornalista libanês Rami Khury
acredita que a política adotada
por Washington a partir do 11 de
Setembro e a violência extremista
da Al Qaeda contribuíram para
recentes mudanças de governo.
"O ciclo de troca de governos e
guerras preventivas de Bush se fechou com os eventos na Espanha.
Se a Al Qaeda realizou os atentados em Madri, então testemunhamos o primeiro caso em que as táticas terroristas da Al Qaeda causaram mudança política numa
democracia ocidental. Bush usou
a força para mudar dois regimes e
meio recentemente [Afeganistão,
Iraque e metade na Palestina] e
Osama bin Laden mudou um governo [o espanhol]."
Khury pondera que seria lamentável se "grupos terroristas
atacassem civis em países ocidentais para mudar o governo através
de eleições democráticas; por outro lado, pode-se dizer que o governo espanhol se distanciou brutalmente da opinião pública, já
que a maioria dos espanhóis era
contra o ataque ao Iraque".
"Será que o novo governo espanhol se sujeitou ao terrorismo islâmico [ao anunciar a provável
retirada de suas tropas do Iraque], ou o governo de José María
Aznar se sujeitou ao neoconservadorismo americano?", questiona. "Nós vimos o resultado da política de guerras preventivas para
trocar governos e combater o terror apenas com base em meios
militares. Isso não funciona."
Reformas
Para Shafiq Ghabra, presidente
da Universidade Americana no
Kuait, o fortalecimento da influência e da presença norte-americanas na região evidenciou a necessidade de reformas.
"Falar de reformas nos países
árabes depois que o governo americano propôs isso, e não antes, é
fonte de controvérsias. Nem se falava em reformas alguns meses
atrás. E esse tema provavelmente
vai desaparecer se a administração americana não insistir."
"O maior perigo não é o debate
em torno de reformas impostas
de fora, mas o mundo árabe evitar
a autocrítica e a auto-reforma. O
mundo árabe vem aderindo às
propostas reformistas dos EUA
por causa da fraqueza dele, não
por convicção da necessidade."
Ghabra acredita que a hipótese
de fortalecimento de grupos islâmicos seja usada como pretexto
para manter a situação como está.
"Muitos preferem o status quo
sob o pretexto de que mudanças
democráticas resultariam no controle dos grupos islâmicos, já que
são os movimentos mais organizados. Mas a pergunta que se faz
é: onde estão as forças políticas e
sociais árabes aptas a liderar o
processo reformista? E existe uma
agenda árabe de reformas independente das orientações americanas?"
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP
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