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ARTIGO
Não aprendemos com a história
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Passados cinco anos, ainda
não aprendemos. Cinco anos
de catástrofe no Iraque, e penso
em Churchill, que no final classificou a Palestina como um
"desastre infernal".
O Iraque está se afogando em
sangue. Hoje, estamos envolvidos em um debate infrutífero.
O que houve de errado? Como
permitimos que isso acontecesse? E como não nos planejamos para o que viria depois?
Quando os americanos chegaram ao Iraque, em 2003, eu
estava em meu quarto imundo
no hotel Palestine, em Bagdá.
Havia levado comigo uma pasta
com recortes de jornal, entre
eles uma longa diatribe escrita
por Pat Buchanan, e continuo
deslumbrado diante da presciência que o texto exibe: "Com
nossa regência MacArthur instalada em Bagdá, a "pax americana" chegará ao apogeu. Mas a
maré terminará por recuar,
pois a única empreitada em que
os povos muçulmanos se destacam é expelir potências imperialistas por meio do terrorismo e da guerrilha".
"Eles expulsaram os britânicos da Palestina, os franceses
da Argélia, os russos do Afeganistão, os norte-americanos da
Somália, os israelenses do Líbano. A única lição que a história
nos ensina é que nada aprendemos com a história."
Os homenzinhos que nos
conduziram à guerra cinco
anos atrás provam não ter
aprendido nada. Quando os britânicos estavam em retirada
por Dunquerque, Churchill
anunciou que "os alemães conseguiram uma profunda penetração e estão espalhando o
alarme e a confusão na esteira
de seus avanços". Por que Bush
ou Blair não nos disseram coisa
semelhante quando os insurgentes iraquianos começaram
a atacar as forças de ocupação
ocidentais? Bem, estavam ocupados demais nos dizendo que
as coisas estavam melhorando
e que os rebeldes estavam "em
um beco sem saída".
Não há um único líder ocidental moderno que tenha experiência real em uma guerra
real. Quando a invasão do Iraque começou, o mais proeminente dos oponentes europeus
da guerra era Jacques Chirac,
que combateu na Argélia. Mas
ele se foi. Como Colin Powell,
veterano do Vietnã, iludido pelo então secretário da Defesa
Donald Rumsfeld e pelas mentiras da CIA a apoiar a invasão.
Os mais sanguinolentos dos
estadistas norte-americanos,
Bush, Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz, jamais estiveram envolvidos em combates. O mesmo
se aplica a Blair e Brown.
Hoje, talvez nos seja permitida uma verdadeira sessão de
contato com os fantasmas da
Segunda Guerra Mundial. As
estatísticas servem como médium. O número de baixas fatais norte-americanas no Iraque (3.978) supera em muito os
3.384 mortos e desaparecidos
nos desembarques do Dia D,
em 6 de junho de 1944, na Normandia, e é três vezes superior
às baixas britânicas em Arnhem (1.200), no mesmo ano.
O número de britânicos mortos no Iraque, 176, quase equivale ao total de soldados britânicos perdidos na Batalha do
Bolsão, em 44 e 45 (pouco mais
de 200 mortos). O número de
feridos norte-americanos no
Iraque, 29.395, supera em nove
vezes o número de feridos dos
Estados Unidos em 6 de junho
de 1944 (3.184), e representa
mais de um quarto do total de
feridos da Guerra da Coréia, de
50 a 53 (103.284).
Mesmo que aceitemos as
mais baixas estimativas quanto
ao número de civis iraquianos
mortos, elas variam entre 350
mil e 1 milhão e superam em
muito o total de vítimas causadas em Londres pelos ataques
alemães com bombas voadoras
em 1944 e 1945 (6.000), bem
como o total geral de civis britânicos mortos em ataques aéreos durante a guerra (60.595
mortos e 86.182 feridos graves
entre 1940 e 1945).
O total de mortos civis iraquianos desde a nossa invasão é
hoje maior que o total de militares britânicos mortos na Segunda Guerra Mundial, que
atingiu espantosos 265 mil soldados, além de 277 mil feridos.
As estimativas mínimas quanto
ao número de iraquianos mortos significam seis ou sete
Dresdens ou -ainda mais terrível- duas Hiroshimas.
No entanto, isso só nos distrai da chocante verdade do
anúncio de Buchanan. Enviamos nossos exércitos à terra do
Iraque. Se hoje existem cerca
de 22 vezes mais soldados ocidentais em terras muçulmanas
do que havia nas cruzadas dos
séculos 11 e 12, é lícito perguntar o que estamos fazendo lá.
Caso Washington não tivesse
se deixado distrair pelo Iraque,
o Taleban não teria se restabelecido. Mas a Al Qaeda e Osama
bin Laden não se deixaram distrair. E é por isso que eles expandiram suas operações no
Iraque e usaram a experiência
assim adquirida para atacar o
Ocidente no Afeganistão.
Vou arriscar um palpite terrível: o de que tenhamos perdido o Afeganistão tão claramente como perdemos o Iraque.
Nossa presença, nosso poder,
nossa arrogância, nossa recusa
em aprender com a história e
nosso terror contra o islã estão
nos conduzindo ao abismo. E
até que aprendamos a deixar
em paz os povos muçulmanos,
nossa catástrofe no Oriente
Médio apenas se agravará.
Não existe conexão entre islã
e terrorismo. Mas existe conexão entre nossa ocupação de
terras muçulmanas e terrorismo. Não é uma equação muito
complicada. Não precisamos de
um inquérito público para encontrar a resposta correta.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
NA INTERNET
Leia a íntegra do artigo em
www.folha.com.br/080806
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