São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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No meio do tiroteio, animais sofriam estresse

do "Libération"

Antes do início da guerra, a Bósnia possuía uma das faunas mais ricas do continente europeu, devido à riqueza de suas florestas, ao relevo acidentado e a sua diversidade climática e de paisagens.
O país tem montanhas elevadas, planaltos e planícies secas, permitindo o estabelecimento das mais diversas espécies animais.
O país contabilizava cerca de 67 mil veados, 4.800 cabritos monteses, 1.300 ursos, 1.400 tetrazes grandes e 120 mil lebres.
Também havia centenas de águias, milhares de linces e centenas de milhares de texugos, martas e lontras.
Em apenas quatro anos, 85% dos veados, lebres e cabritos monteses da Bósnia simplesmente desapareceram, vítimas diretas da guerra.
"Os animais que conseguiam escapar das trocas de tiros, dos bombardeios e dos incêndios nas zonas de combate muitas vezes acabavam se dirigindo às áreas onde a população passava fome", explica o caçador Zeko Redic, ex-integrante das milícias croatas que combateram durante o conflito.

Estresse animal
Além da guerra, outro fator que agravou a morte dos animais foi o estresse.
"A guerra é um trauma enorme, que perturba o acasalamento dos animais, a hibernação, a migração e, portanto, a reprodução", explica o médico Nijaz Abadzic, que dirige o movimento ambientalista Fondeko.
"Os pássaros pequenos que vivem nos campos e nas florestas são especialmente fragilizados pela perturbação de seu hábitat."
Outra coisa que os fragilizou foi o êxodo dentro do país ou até mesmo a países vizinhos ou próximos, ao norte e ao sul.
Uma multidão de animais conseguiu fugir em direção ao sul, para as florestas de Montenegro, ou para o norte, até a Croácia ou ainda mais longe.
A migração foi sentida até pelos ambientalistas austríacos, que documentaram os riscos representados à fauna de seu país pela imigração desenfreada de animais carnívoros vindos da Bósnia, em 1995.
Até agora, porém, sabe-se pouco sobre esses deslocamentos da fauna bósnia.
Um caso interessante é o dos ursos pretos de Bugojno, tão numerosos nos maciços centrais do país que os criadores de gado, apicultores e outros habitantes da região costumavam pedir ajuda a caçadores para se protegerem de seus ataques.
Nessa região, palco de combates extremamente violentos entre croatas e muçulmanos -que deixaram muitas propriedades agrícolas em ruínas-, ninguém se ilude quanto ao que aconteceu a cerca de 200 ursos.
"Naquela época, atirava-se contra qualquer coisa que se mexesse", conta o ambientalista Suleiman Redzic.
"Mas, para espanto nosso, alguns dos ursos reapareceram já na primeira primavera após a guerra.
Segundo ele, o número de ursos vem aumentando a cada ano. Redzic mostra na neve as pegadas de um urso grande que ele observou no dia anterior.
"Estimamos que mais ou menos 40 já tenham voltado -e todos os habitantes dos povoados estão contentes com isso", disse.
Serão esses 40 os sobreviventes da guerra ou apenas os precursores do retorno do resto da comunidade?
"Ninguém sabe. Ninguém tem a menor idéia do que aconteceu com os ursos durante a guerra", diz. "Ninguém tem nenhuma informação sobre quando e como partiram, para onde foram, se retornaram e como retornaram", responde o diretor do serviço florestal da Bósnia, Sead Hadzibdiac.


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