São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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VIOLÊNCIA VIRTUAL
Sites recebem visitas de jovens e de seus pais
Gangues dos EUA invadem a Internet

EMMANUELLE RICHARD
do "Libération"

Para visitar os websites de duas das gangues mais perigosas dos Estados Unidos, basta clicar sobre o revólver do homem perseguido cuja figura aparece na home page de cada uma delas.
Desde o ano passado as famosas gangues rivais Bloods e Crips, ambas de Los Angeles, têm seus sites próprios na Internet.
Os sites bloods.com e crips.com oferecem a seus "Net Gangstas" ("gangstas" são os integrantes das gangues) um "espaço gratuito para exprimir seus talentos na Internet" (desenhos, trechos de raps ou fotos de seus amigos armados até os dentes), um e-mail (endereço eletrônico) e até mesmo algumas fotos de "garotas gangstas".
Os sites não contêm pornografia, apologia de drogas ou ameaças diretas à gangue inimiga. Eles respeitam essa surpreendente discrição especialmente porque compartilham o mesmo servidor e o mesmo webmaster, Dirk Lemmons, que vive no Missouri, a milhares de quilômetros de Los Angeles.
"Criar sites para as gangues é como instalar uma rede de basquete num gueto e convidar todo mundo a jogar", garante Lemmons, empresário de 41 anos que começou a ganhar a vida instalando grades nas janelas das casas dos bairros violentos de Saint Louis.
Há quase um ano, tomou a iniciativa de lançar os sites das gangues e, logo depois, a gangue nova-iorquina dos Latin Kings aceitou sua oferta, propondo-se a oferecer "um centro para receber os jovens seduzidos pelo crime" e proporcionar aos curiosos fascinados pela cultura das gangues um vislumbre de como é esse mundo.
Alejandro Alonso, 28, rosto redondo e bigode fino, é um antigo gangsta de Los Angeles. Segundo ele, as gangues dificilmente vão fazer muito uso dos sites criados por Dirk Lemmons.
"Seus integrantes ainda estão longe de dominar a Internet. Eles vivem nos mesmos bairros, se comunicam por telefone e pager, às vezes até pelo celular, mas, para navegar na rede, é preciso saber ler e escrever, o que nem sempre é o caso deles", diz.
Para ele, Dirk Lemmons faz parte de um grupo emergente de webmasters interessados em ganhar dinheiro com os adolescentes da classe média branca, fascinados pelo gangsta rap.
No site crips.com, o internauta pode comprar canetas dos Crips por US$ 6,95 mais o custo do frete.
O detetive Chuck Zeglin, da polícia de Los Angeles e especialista em gangues, calcula que "metade dos sites de gangues é fajuta. A outra metade tem ligações mais ou menos estreitas com gangues em atividade".
Num cubículo pré-fabricado situado num estacionamento no centro da cidade, Zeglin forma brigadas antigangues para navegar em bancos de dados informatizados. Desde que os sites de gangues começaram a aparecer, na metade desta década, a equipe do detetive já investigou cerca de 80 sites.
Chuck Zeglin explica que os sites de gangues, frequentemente malfeitos, não representam perigo à sociedade. "Não é nos sites que alguém vai encontrar informações sobre os crimes que elas tramam", diz. "Eles não hesitam em falar mal da polícia, mas não a ameaçam diretamente."
Apenas um site suscitou uma investigação da polícia de Los Angeles: a killercop.com, que oferecia recompensas aos visitantes que se dispusessem a assassinar policiais de Los Angeles. Por falta de provas, os gangstas responsáveis pela oferta não foram presos, mas foram forçados a fechar o site.
Dirk Lemmons afirma receber milhares de visitas por dia, originárias de usuários em escolas, bibliotecas municipais e bases militares de todo o mundo, já que muitos antigos membros de gangues se alistaram no Exército dos EUA.
Alejandro Alonso, em Los Angeles, prefere buscar material para reflexão nos raros sites de membros de gangues que se encontram atrás das grades, como um dos fundadores da gangue dos Crips, Stanley "Tookie" Williams.
Ele já passou 18 de seus 43 anos na prisão e aguarda ser executado. No site tookie.com, prega o evangelho antigangues: "Eu não esperava ver os Crips estragarem a vida de tantos jovens".
"A Internet pode informar os pais, sobretudo", observa Alonso. Desde a Universidade do Sul da Califórnia (USC), onde estuda geografia, o ex-gangsta começou há quatro anos a montar seu próprio site, o streetgangs.com, uma mina de informações sobre as gangues de Los Angeles.
"Frequentemente recebo e-mails de mães que temem que seus filhos tenham entrado numa gangue, porque começaram a usar roupas diferentes e a fazer gestos estranhos com as mãos."
"Muitos pais chegam a nossa homepage por meio do site do departamento de polícia de Los Angeles e nos perguntam como impedir que seus filhos entrem para alguma gangue", conta Chuck Zeglin.


Tradução de Clara Allain


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