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São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 2003

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"A esperança vai vencer o medo", repete Carrió

DO ENVIADO A PUERTO IGUAZÚ

Elisa Carrió, 47, concorre à Presidência argentina. Ela tem, segundo os principais analistas, chances de chegar ao segundo turno. Se alcançar a sede do governo argentino, terá sido o presidente do país que menos gastou durante a campanha eleitoral.
Carrió não aceita doações de empresários porque diz querer manter sua independência. "Depois das eleições, presidente ou não, terei algo que os outros não terão. Poderei continuar dizendo o que sempre disse, sem dever nada a ninguém", diz.
A candidata percorreu praticamente todo o país, durante um ano, de carro. Para economizar, se hospeda nas casas de militantes de seu partido, o ARI (Argentina para uma República de Iguais).
Ela diz que os argentinos precisam fazer um novo "contrato moral". "As pessoas têm que se convencer de que, pelo caminho do roubo, da mentira e da indiferença em relação aos pobres, não há desenvolvimento." Carrió usa o mesmo mote de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando diz que, na Argentina, como no Brasil, "a esperança vai vencer o medo".
A candidata é um dos poucos políticos argentinos que podem caminhar pelas ruas de Buenos Aires e de outras Províncias do país sem ser insultados ou sofrer com a indiferença dos eleitores. Pelo contrário, os eleitores a cumprimentam -a Folha a acompanhou durante uma viagem pela Província de Misiones.
Ex-membro da UCR (União Cívica Radical), ela fundou o ARI no início de 2001, quando decidiu abandonar a UCR depois que o então presidente Fernando de la Rúa nomeou Domingo Cavallo ministro da Economia.
Uma das primeiras medidas econômicas que adotaria seria, segundo diz, uma renda de cidadania para todas as crianças e idosos argentinos. Programa social que, segundo Carrió, o partido estudou com o senador brasileiro Eduardo Suplicy (PT).
A seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha. (MB)
 
Folha - Seu programa de governo prega uma "reforma moral" na Argentina. A sra. poderia explicar?
Elisa Carrió -
Uma reforma moral não é uma reforma que dependa de articulações políticas, mas de um estado de consciência coletiva. As pessoas têm de se convencer de que, pelo caminho do roubo, da mentira e da indiferença em relação aos pobres, não há desenvolvimento. O que você pode fazer é empurrar essa revolta, essa tomada de consciência. Mas ela depende da sociedade. Hoje, há uma parte do país que já percebeu isso. Mas há uma parte que ainda vota no "rouba, mas faz".

Folha - Foi essa revolta que levou as pessoas às ruas em dezembro de 2001? Se sim, naquela época os argentinos exigiam que os dirigentes do país "fossem embora". Eles ficaram. Como transformar isso em uma alternativa política?
Carrió -
Neste país sempre funcionou o que chamo de "aparato do medo". Quando há um avanço da sociedade, vem o aparato. Nos anos 80 dizia-se que, se não garantíssemos a impunidade, haveria golpe militar. Nos 90, foi a extorsão [da paridade" do peso [com o" dólar, porque, se abandonássemos a conversibilidade, viria a inflação. Depois, se usou a violência: se não mantivermos os mafiosos, haverá violência, assaltos, sequestros.
Quando, em dezembro de 2001, a sociedade começou a avançar, a manifestação de rua virou [aos olhos do governo" insurreição. Depois vieram os sequestros relâmpagos e todo um discurso que dizia que os que ganhavam nas pesquisas não poderiam governar. Ou seja, só se pode governar pelas máfias. As pessoas querem a mudança, mas têm dúvidas a respeito da possibilidade de fazê-la. O problema é que a dúvida pode consolidar a tragédia, ou seja, permitir que volte o pior.
Depende de a esperança vencer o medo. No Brasil, todos diziam que com Lula não se podia governar. Os mercados saltavam, as Bolsas subiam. Finalmente, a esperança venceu o medo.

Folha - Sua candidatura não é uma aposta na sua imagem pessoal, mais do que num projeto de governo?
Carrió -
Isso é uma percepção errada. Tenho uma das melhores imagens públicas do país há mais de oito anos e cerca de 15% dos votos. Não é pouco. Passei da etapa da fama. Agora, estamos na fase da consistência e perseverança política. O que é verdade é que temos uma relação muito cotidiana com as pessoas. Não é uma relação política tradicional. As pessoas se aproximam, me abraçam.
Consolidar um eleitorado pelos seus próprios princípios -numa Argentina onde tudo se compra, onde vale tudo-, apenas com a força da palavra e da convicção é uma luta desigual. Mas decidimos fazer assim porque no curto e no médio prazo você ganha um país. Queremos mudar um país, não ganhar uma eleição.

Folha - Quais seriam suas primeiras medidas econômicas como presidente?
Carrió -
Primeiro, implantaremos a renda cidadã, uma renda mínima, para crianças e idosos argentinos. É um programa como o renda mínima do senador Eduardo Suplicy. Trabalhamos muito tempo com ele sobre o tema. Segundo, a criação de centros de desenvolvimento, com uma clara estratégia agroindustrial.

Folha - Como financiará esse programa de renda mínima?
Carrió -
Usaremos os recursos usados hoje para o pagamento de salário-família, a extinção de alguns outros programas que já existem e recursos vindos das retenções à exportação do petróleo.

Folha - Em relação ao Mercosul, qual seria sua política?
Carrió -
Uma profunda integração política. Não falamos apenas de Mercosul, mas de algo mais. Queremos nos alinhar com o Brasil em uma forte integração política da América do Sul. Estamos frente a uma oportunidade política histórica de construir uma nova democracia e uma nova prosperidade para a América Latina.

Folha - Como negociaria a dívida externa?
Carrió -
A Argentina não está em condições de cumprir com os compromissos da dívida pública na maneira e da forma em que os prazos foram estabelecidos. Em termos gerais, nossa proposta é reprogramar os títulos com um prazo de 30 anos e um período de três anos sem nenhum pagamento. A partir desse período, serão realizados pagamentos anuais, mas depois de ter sido negociado um abatimento importante do valor dos títulos e uma redução da taxa de juros.



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