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"A esperança vai vencer o medo", repete Carrió
DO ENVIADO A PUERTO IGUAZÚ
Elisa Carrió, 47, concorre à Presidência argentina. Ela tem, segundo os principais analistas,
chances de chegar ao segundo
turno. Se alcançar a sede do governo argentino, terá sido o presidente do país que menos gastou
durante a campanha eleitoral.
Carrió não aceita doações de
empresários porque diz querer
manter sua independência. "Depois das eleições, presidente ou
não, terei algo que os outros não
terão. Poderei continuar dizendo
o que sempre disse, sem dever nada a ninguém", diz.
A candidata percorreu praticamente todo o país, durante um
ano, de carro. Para economizar, se
hospeda nas casas de militantes
de seu partido, o ARI (Argentina
para uma República de Iguais).
Ela diz que os argentinos precisam fazer um novo "contrato moral". "As pessoas têm que se convencer de que, pelo caminho do
roubo, da mentira e da indiferença em relação aos pobres, não há
desenvolvimento." Carrió usa o
mesmo mote de campanha do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando diz que, na Argentina,
como no Brasil, "a esperança vai
vencer o medo".
A candidata é um dos poucos
políticos argentinos que podem
caminhar pelas ruas de Buenos
Aires e de outras Províncias do
país sem ser insultados ou sofrer
com a indiferença dos eleitores.
Pelo contrário, os eleitores a cumprimentam -a Folha a acompanhou durante uma viagem pela
Província de Misiones.
Ex-membro da UCR (União Cívica Radical), ela fundou o ARI no
início de 2001, quando decidiu
abandonar a UCR depois que o
então presidente Fernando de la
Rúa nomeou Domingo Cavallo
ministro da Economia.
Uma das primeiras medidas
econômicas que adotaria seria,
segundo diz, uma renda de cidadania para todas as crianças e idosos argentinos. Programa social
que, segundo Carrió, o partido estudou com o senador brasileiro
Eduardo Suplicy (PT).
A seguir, os principais trechos
de sua entrevista à Folha.
(MB)
Folha - Seu programa de governo
prega uma "reforma moral" na Argentina. A sra. poderia explicar?
Elisa Carrió -Uma reforma moral
não é uma reforma que dependa
de articulações políticas, mas de
um estado de consciência coletiva. As pessoas têm de se convencer de que, pelo caminho do roubo, da mentira e da indiferença
em relação aos pobres, não há desenvolvimento. O que você pode
fazer é empurrar essa revolta, essa
tomada de consciência. Mas ela
depende da sociedade. Hoje, há
uma parte do país que já percebeu
isso. Mas há uma parte que ainda
vota no "rouba, mas faz".
Folha - Foi essa revolta que levou
as pessoas às ruas em dezembro de
2001? Se sim, naquela época os argentinos exigiam que os dirigentes
do país "fossem embora". Eles ficaram. Como transformar isso em
uma alternativa política?
Carrió -Neste país sempre funcionou o que chamo de "aparato
do medo". Quando há um avanço
da sociedade, vem o aparato. Nos
anos 80 dizia-se que, se não garantíssemos a impunidade, haveria golpe militar. Nos 90, foi a extorsão [da paridade" do peso
[com o" dólar, porque, se abandonássemos a conversibilidade, viria a inflação. Depois, se usou a
violência: se não mantivermos os
mafiosos, haverá violência, assaltos, sequestros.
Quando, em dezembro de 2001,
a sociedade começou a avançar, a
manifestação de rua virou [aos
olhos do governo" insurreição.
Depois vieram os sequestros relâmpagos e todo um discurso que
dizia que os que ganhavam nas
pesquisas não poderiam governar. Ou seja, só se pode governar
pelas máfias. As pessoas querem
a mudança, mas têm dúvidas a
respeito da possibilidade de fazê-la. O problema é que a dúvida pode consolidar a tragédia, ou seja,
permitir que volte o pior.
Depende de a esperança vencer
o medo. No Brasil, todos diziam
que com Lula não se podia governar. Os mercados saltavam, as
Bolsas subiam. Finalmente, a esperança venceu o medo.
Folha - Sua candidatura não é
uma aposta na sua imagem pessoal, mais do que num projeto de
governo?
Carrió -Isso é uma percepção errada. Tenho uma das melhores
imagens públicas do país há mais
de oito anos e cerca de 15% dos
votos. Não é pouco. Passei da etapa da fama. Agora, estamos na fase da consistência e perseverança
política. O que é verdade é que temos uma relação muito cotidiana
com as pessoas. Não é uma relação política tradicional. As pessoas se aproximam, me abraçam.
Consolidar um eleitorado pelos
seus próprios princípios -numa
Argentina onde tudo se compra,
onde vale tudo-, apenas com a
força da palavra e da convicção é
uma luta desigual. Mas decidimos fazer assim porque no curto
e no médio prazo você ganha um
país. Queremos mudar um país,
não ganhar uma eleição.
Folha - Quais seriam suas primeiras medidas econômicas como presidente?
Carrió - Primeiro, implantaremos a renda cidadã, uma renda
mínima, para crianças e idosos
argentinos. É um programa como
o renda mínima do senador
Eduardo Suplicy. Trabalhamos
muito tempo com ele sobre o tema. Segundo, a criação de centros
de desenvolvimento, com uma
clara estratégia agroindustrial.
Folha - Como financiará esse programa de renda mínima?
Carrió - Usaremos os recursos
usados hoje para o pagamento de
salário-família, a extinção de alguns outros programas que já
existem e recursos vindos das retenções à exportação do petróleo.
Folha - Em relação ao Mercosul,
qual seria sua política?
Carrió - Uma profunda integração política. Não falamos apenas
de Mercosul, mas de algo mais.
Queremos nos alinhar com o Brasil em uma forte integração política da América do Sul. Estamos
frente a uma oportunidade política histórica de construir uma nova democracia e uma nova prosperidade para a América Latina.
Folha - Como negociaria a dívida
externa?
Carrió -A Argentina não está em
condições de cumprir com os
compromissos da dívida pública
na maneira e da forma em que os
prazos foram estabelecidos. Em
termos gerais, nossa proposta é
reprogramar os títulos com um
prazo de 30 anos e um período de
três anos sem nenhum pagamento. A partir desse período, serão
realizados pagamentos anuais,
mas depois de ter sido negociado
um abatimento importante do
valor dos títulos e uma redução da
taxa de juros.
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