|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O NOVO PAPA
Em 1ª missa, Bento 16 prega conciliação
Para cardeais, Ratzinger defende ecumenismo e legado do Concílio Vaticano 2º, que, na década de 60, modernizou a igreja
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Em sua primeira missa celebrada como papa Bento 16, o alemão
Joseph Ratzinger (pronuncia-se
"rátzingah"), tentou suavizar sua
imagem de radical da ultra-ortodoxia católica e emitiu uma série
de mensagens de diálogo e até
conciliação.
Falou de união na igreja, poder
aos bispos, incentivo à pesquisa
teológica, defesa do flexibilizante
Concílio Vaticano 2º e até pregou
o ecumenismo com outras denominações católicas, algo antes impensável durante seus 23 anos como guardião da doutrina da Igreja Católica em Roma.
Não parecia o mesmo Ratzinger
que, na missa que antecedeu o
conclave, na segunda-feira passada, fez uma defesa veemente do
que chamou de "fé adulta", inflexível às tentações do relativismo
do mundo moderno e às mutações da vida globalizada.
O discurso, de tão duro, foi visto
como uma peça paradoxal de
campanha, já que poderia tanto
ganhar votos como afastar cardeais eleitores indecisos. Prevaleceu a primeira opção.
A quantidade de sinais impressionou até os derrotados no conclave. "Devemos dar um voto de
confiança ao novo papa", disse o
cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo que era visto
como uma alternativa latino-americana para o trono de são Pedro. "O papa poderá surpreender", disse. Foi rebatido por um
cardeal explicitamente pró-candidatura Ratzinger, o arcebispo
do Rio, d. Eusébio Oscar Scheid:
"Quem o critica não o conhece".
"Não tenha medo"
Os recados de Bento 16, que será
entronizado durante uma missa
na manhã do próximo domingo,
vieram em forma de sua homilia,
lida como de praxe em latim na
primeira missa como papa, realizada em frente aos 114 cardeais
que participaram de sua eleição
ontem. Como confirmou o cardeal brasileiro d. Geraldo Majella
Agnelo, arcebispo de Salvador e
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foram
quatro as votações que levaram à
escolha em 24 horas.
A missa foi rezada na capela Sistina, um dos maiores tesouros artísticos do Vaticano, onde ocorreu a votação. Bento 16 fez vários
elogios ao seu predecessor, João
Paulo 2º, de quem foi braço direito como responsável pela defesa
da doutrina da igreja.
Atribuiu a ele sua eleição: "Parece que sinto sua mão forte apertar
a minha, vejo seus olhos sorridentes e ouço suas palavras, dirigidas
a mim neste momento especial:
"Não tenha medo'".
Disse também que sentia o peso
de "sua incompetência" para a
missão, mas que se apoiava no
exemplo de Karol Wojtyla para
continuar. Insistindo na imagem
de humildade da primeira fala como papa anteontem, no balcão da
basílica de São Pedro, disse que
falava "com simplicidade e afeto".
E desfiou um rosário de temas.
O mais surpreendente foi a defesa
do ecumenismo cristão. "O sucessor de Pedro assume como compromisso primário trabalhar sem
economizar energias na reconstituição plena e visível da unidade
dos seguidores de Cristo e promover os contatos e entendimentos com os representantes das diferentes igrejas e comunidades
eclesiásticas."
João Paulo 2º também foi um
grande defensor do ecumenismo,
promovendo encontros inter-religiosos. Mas, longe das fotos do
papa em sinagogas ou mesquitas,
era justamente Ratzinger quem
defendia a Igreja Católica como
única herdeira real de Jesus Cristo
-e "mãe" de todas as outras igrejas, e não "irmã", como escreveu
em 2000, para causar até um
constrangimento público a
Wojtyla, que foi cobrado pelo patriarca grego de Damasco sobre
sua real intenção no ano seguinte.
Além disso, em tese Bento 16 se
abre ao que os cardeais chamam
de "seitas", ou seja, as denominações evangélicas pentecostais que
disputam espaço com a igreja de
Roma em lugares como o Brasil.
O que de fato irá acontecer, só o
tempo dirá. Mas causou surpresa,
ainda mais após sua eleição em
estilo "trator", ver Ratzinger fazer
um apelo "àqueles que seguem
outras religiões".
Lembrança do concílio
Outro ponto de surpresa foi a
defesa da aplicação dos princípios
do Concílio Vaticano 2º, encontro
da igreja na década de 60 que fez
várias adaptações de liturgia e
doutrina visando adaptar o catolicismo à atualidade -deu cabo da
liturgia obrigatória em latim, por
exemplo, e ampliou o espaço de
mulheres e leigos nos assuntos da
igreja. "Os documentos conciliares não perderam a atualidade, e
seus ensinamentos revelam-se
pertinentes em relação às novas
questões da igreja e da atual sociedade globalizada", disse Bento 16.
Durante o concílio, o então padre Ratzinger era um dos cérebros por trás das contribuições
consideradas avançadas do cardeal Josef Frings no concílio. Mas,
já depois das primaveras estudantis de 1968 na Europa, assumiu
feições cada vez mais conservadoras, rejeitando o clima libertário
na igreja que foi estimulado pelo
Vaticano 2º.
Bento 16 também se dirigiu
àqueles que não votaram nele no
concílio, ainda que os nomes e o
placar sejam em tese secretos. Citou a colegialidade, jargão que designa o poder local das igrejas, em
consonância com o que o Vaticano 2º previa e que foi desmontada
no papado de Wojtyla.
"Esta comunhão colegial, pela
diversidade de papéis e de funções do pontífice romano e dos
bispos", disse, é necessária para a
"ação evangelizadora no mundo
contemporâneo".
Novamente, se o discurso irá se
tornar prática, é algo a ver. D.
Cláudio é otimista: "É um novo
tempo para igreja, é um novo
tempo para ele". Com efeito, a
"igreja jovem" que Wojtyla legou,
segundo Ratzinger, deve ser cultivada. Confirmando sua participação na Jornada Mundial da Juventude em agosto, em Colônia (na
Alemanha, seu país natal), ele disse: "João Paulo 2º deixa uma igreja mais corajosa, mais livre, mais
jovem. Uma igreja que, segundo
seu ensinamento e exemplo, olha
com serenidade para o passado e
não tem medo do futuro".
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: O novo papa: Cardeais brasileiros defendem novo papa Índice
|