São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 2005

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O NOVO PAPA

Em 1ª missa, Bento 16 prega conciliação

Para cardeais, Ratzinger defende ecumenismo e legado do Concílio Vaticano 2º, que, na década de 60, modernizou a igreja

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Em sua primeira missa celebrada como papa Bento 16, o alemão Joseph Ratzinger (pronuncia-se "rátzingah"), tentou suavizar sua imagem de radical da ultra-ortodoxia católica e emitiu uma série de mensagens de diálogo e até conciliação.
Falou de união na igreja, poder aos bispos, incentivo à pesquisa teológica, defesa do flexibilizante Concílio Vaticano 2º e até pregou o ecumenismo com outras denominações católicas, algo antes impensável durante seus 23 anos como guardião da doutrina da Igreja Católica em Roma.
Não parecia o mesmo Ratzinger que, na missa que antecedeu o conclave, na segunda-feira passada, fez uma defesa veemente do que chamou de "fé adulta", inflexível às tentações do relativismo do mundo moderno e às mutações da vida globalizada.
O discurso, de tão duro, foi visto como uma peça paradoxal de campanha, já que poderia tanto ganhar votos como afastar cardeais eleitores indecisos. Prevaleceu a primeira opção.
A quantidade de sinais impressionou até os derrotados no conclave. "Devemos dar um voto de confiança ao novo papa", disse o cardeal d. Cláudio Hummes, arcebispo de São Paulo que era visto como uma alternativa latino-americana para o trono de são Pedro. "O papa poderá surpreender", disse. Foi rebatido por um cardeal explicitamente pró-candidatura Ratzinger, o arcebispo do Rio, d. Eusébio Oscar Scheid: "Quem o critica não o conhece".

"Não tenha medo"
Os recados de Bento 16, que será entronizado durante uma missa na manhã do próximo domingo, vieram em forma de sua homilia, lida como de praxe em latim na primeira missa como papa, realizada em frente aos 114 cardeais que participaram de sua eleição ontem. Como confirmou o cardeal brasileiro d. Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foram quatro as votações que levaram à escolha em 24 horas.
A missa foi rezada na capela Sistina, um dos maiores tesouros artísticos do Vaticano, onde ocorreu a votação. Bento 16 fez vários elogios ao seu predecessor, João Paulo 2º, de quem foi braço direito como responsável pela defesa da doutrina da igreja.
Atribuiu a ele sua eleição: "Parece que sinto sua mão forte apertar a minha, vejo seus olhos sorridentes e ouço suas palavras, dirigidas a mim neste momento especial: "Não tenha medo'".
Disse também que sentia o peso de "sua incompetência" para a missão, mas que se apoiava no exemplo de Karol Wojtyla para continuar. Insistindo na imagem de humildade da primeira fala como papa anteontem, no balcão da basílica de São Pedro, disse que falava "com simplicidade e afeto".
E desfiou um rosário de temas. O mais surpreendente foi a defesa do ecumenismo cristão. "O sucessor de Pedro assume como compromisso primário trabalhar sem economizar energias na reconstituição plena e visível da unidade dos seguidores de Cristo e promover os contatos e entendimentos com os representantes das diferentes igrejas e comunidades eclesiásticas."
João Paulo 2º também foi um grande defensor do ecumenismo, promovendo encontros inter-religiosos. Mas, longe das fotos do papa em sinagogas ou mesquitas, era justamente Ratzinger quem defendia a Igreja Católica como única herdeira real de Jesus Cristo -e "mãe" de todas as outras igrejas, e não "irmã", como escreveu em 2000, para causar até um constrangimento público a Wojtyla, que foi cobrado pelo patriarca grego de Damasco sobre sua real intenção no ano seguinte.
Além disso, em tese Bento 16 se abre ao que os cardeais chamam de "seitas", ou seja, as denominações evangélicas pentecostais que disputam espaço com a igreja de Roma em lugares como o Brasil. O que de fato irá acontecer, só o tempo dirá. Mas causou surpresa, ainda mais após sua eleição em estilo "trator", ver Ratzinger fazer um apelo "àqueles que seguem outras religiões".

Lembrança do concílio
Outro ponto de surpresa foi a defesa da aplicação dos princípios do Concílio Vaticano 2º, encontro da igreja na década de 60 que fez várias adaptações de liturgia e doutrina visando adaptar o catolicismo à atualidade -deu cabo da liturgia obrigatória em latim, por exemplo, e ampliou o espaço de mulheres e leigos nos assuntos da igreja. "Os documentos conciliares não perderam a atualidade, e seus ensinamentos revelam-se pertinentes em relação às novas questões da igreja e da atual sociedade globalizada", disse Bento 16.
Durante o concílio, o então padre Ratzinger era um dos cérebros por trás das contribuições consideradas avançadas do cardeal Josef Frings no concílio. Mas, já depois das primaveras estudantis de 1968 na Europa, assumiu feições cada vez mais conservadoras, rejeitando o clima libertário na igreja que foi estimulado pelo Vaticano 2º.
Bento 16 também se dirigiu àqueles que não votaram nele no concílio, ainda que os nomes e o placar sejam em tese secretos. Citou a colegialidade, jargão que designa o poder local das igrejas, em consonância com o que o Vaticano 2º previa e que foi desmontada no papado de Wojtyla.
"Esta comunhão colegial, pela diversidade de papéis e de funções do pontífice romano e dos bispos", disse, é necessária para a "ação evangelizadora no mundo contemporâneo".
Novamente, se o discurso irá se tornar prática, é algo a ver. D. Cláudio é otimista: "É um novo tempo para igreja, é um novo tempo para ele". Com efeito, a "igreja jovem" que Wojtyla legou, segundo Ratzinger, deve ser cultivada. Confirmando sua participação na Jornada Mundial da Juventude em agosto, em Colônia (na Alemanha, seu país natal), ele disse: "João Paulo 2º deixa uma igreja mais corajosa, mais livre, mais jovem. Uma igreja que, segundo seu ensinamento e exemplo, olha com serenidade para o passado e não tem medo do futuro".


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