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ANÁLISE
Clegg, o aristocrata que a TV catapultou
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Há exato meio século, John
Kennedy elegeu-se presidente
dos EUA, em boa medida -segundo a sabedoria política convencional-, por ter batido Richard Nixon em um debate pela TV, novidade absoluta à época. Desde então, sempre que há
um evento similar, espera-se a
repetição do fenômeno. Aconteceu agora, no Reino Unido.
Só o fenômeno "debate pela
TV" explica a explosiva ascensão nas pesquisas de Nicholas
William Peter Clegg, 41, líder
dos liberais democratas. A capa
da revista "Economist", no número que circulou dias antes do
debate do último dia 15, dizia
que os britânicos teriam que
escolher entre "um diabo conhecido" (o premiê Gordon
Brown), um diabo ainda a conhecer (o líder conservador
David Cameron) e o "diabo
quem?", justamente Clegg.
É pouco lógico supor que, nos
90 minutos de debate, os britânicos tenham decifrado quem é
exatamente o "diabo" Clegg.
Logo, é mais razoável imaginar
que a disparada dos liberais nas
pesquisas se deva apenas ao
melhor desempenho na TV.
É o que escreveu ontem Philip Stevens, colunista do "Financial Times": "Duvido que a
nação tenha concluído que os
liberais democratas tenham todas as respostas para os males
britânicos. A maioria dos votantes teria dificuldades para
lembrar uma linha que seja do
manifesto do partido [o programa liberal democrata]. Mas, na
base de um debate de 90 minutos, eles concluíram que gostam do inteligente e bem apessoado Mr. Clegg".
Bem apessoado, sem dúvida,
se puder ser julgado pelo desempenho sexual: em entrevista para a revista "GQ", Clegg
disse que havia dormido com
"não mais de 30 mulheres" -o
que quer dizer que tampouco
foram menos do que 30.
Inteligente, também, se julgado pelo currículo acadêmico
e pelo número de línguas que
fala: estudou na lendária Cambridge e fala com fluência francês, alemão e espanhol, certamente herança da facilidade
com que os holandeses aprendem idiomas (sua mãe é holandesa; sua mulher é espanhola).
No mais, sua vida pessoal,
mulheres à parte, é o puro catálogo da aristocracia: filho de um
banqueiro da City londrina, foi
capitão do time de tênis da faculdade, instrutor de esqui e se
veste impecavelmente.
Mas tem outra característica
que costuma ser contraproducente no Reino Unido: é (ou foi)
um entusiasta da Europa, a
ponto de ter defendido, em certo momento, a adesão ao euro,
adotado por 16 países, mas que
continua sendo anátema nas
ilhas britânicas.
Sua carreira política, aliás,
está quase toda ligada à Europa,
primeiro como assessor do
conservador Leon Brittan, então comissário europeu do Comércio, depois como eurodeputado, a partir de 1999.
Foi só em 2005 que se voltou
à política interna, elegendo-se
pelo distrito de Sheffield Hallam. Dois anos depois, virou líder dos liberais, sigla condenada à irrelevância desde que deixou o poder em outra era (os
anos 20 do século 20). Dela está
sendo içada pelo desempenho
televisivo de seu jovem líder.
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