São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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ANÁLISE

Clegg, o aristocrata que a TV catapultou

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Há exato meio século, John Kennedy elegeu-se presidente dos EUA, em boa medida -segundo a sabedoria política convencional-, por ter batido Richard Nixon em um debate pela TV, novidade absoluta à época. Desde então, sempre que há um evento similar, espera-se a repetição do fenômeno. Aconteceu agora, no Reino Unido.
Só o fenômeno "debate pela TV" explica a explosiva ascensão nas pesquisas de Nicholas William Peter Clegg, 41, líder dos liberais democratas. A capa da revista "Economist", no número que circulou dias antes do debate do último dia 15, dizia que os britânicos teriam que escolher entre "um diabo conhecido" (o premiê Gordon Brown), um diabo ainda a conhecer (o líder conservador David Cameron) e o "diabo quem?", justamente Clegg.
É pouco lógico supor que, nos 90 minutos de debate, os britânicos tenham decifrado quem é exatamente o "diabo" Clegg. Logo, é mais razoável imaginar que a disparada dos liberais nas pesquisas se deva apenas ao melhor desempenho na TV.
É o que escreveu ontem Philip Stevens, colunista do "Financial Times": "Duvido que a nação tenha concluído que os liberais democratas tenham todas as respostas para os males britânicos. A maioria dos votantes teria dificuldades para lembrar uma linha que seja do manifesto do partido [o programa liberal democrata]. Mas, na base de um debate de 90 minutos, eles concluíram que gostam do inteligente e bem apessoado Mr. Clegg".
Bem apessoado, sem dúvida, se puder ser julgado pelo desempenho sexual: em entrevista para a revista "GQ", Clegg disse que havia dormido com "não mais de 30 mulheres" -o que quer dizer que tampouco foram menos do que 30.
Inteligente, também, se julgado pelo currículo acadêmico e pelo número de línguas que fala: estudou na lendária Cambridge e fala com fluência francês, alemão e espanhol, certamente herança da facilidade com que os holandeses aprendem idiomas (sua mãe é holandesa; sua mulher é espanhola).
No mais, sua vida pessoal, mulheres à parte, é o puro catálogo da aristocracia: filho de um banqueiro da City londrina, foi capitão do time de tênis da faculdade, instrutor de esqui e se veste impecavelmente.
Mas tem outra característica que costuma ser contraproducente no Reino Unido: é (ou foi) um entusiasta da Europa, a ponto de ter defendido, em certo momento, a adesão ao euro, adotado por 16 países, mas que continua sendo anátema nas ilhas britânicas.
Sua carreira política, aliás, está quase toda ligada à Europa, primeiro como assessor do conservador Leon Brittan, então comissário europeu do Comércio, depois como eurodeputado, a partir de 1999.
Foi só em 2005 que se voltou à política interna, elegendo-se pelo distrito de Sheffield Hallam. Dois anos depois, virou líder dos liberais, sigla condenada à irrelevância desde que deixou o poder em outra era (os anos 20 do século 20). Dela está sendo içada pelo desempenho televisivo de seu jovem líder.


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