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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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ARGENTINA

Presidente tenta esvaziar o poder de Scioli, que o criticou; Casa Rosada nega semelhança com a queda de De la Rúa

Atrito com vice abre primeira crise do governo Kirchner

ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

A lua-de-mel entre o presidente argentino, Néstor Kirchner, e o poder começou a entrar em crise. Com pouco menos de três meses de governo -os 90 dias se completam dia 25-, Kirchner protagonizou uma queda-de-braço com o vice-presidente, Daniel Scioli, que colocou em cheque a permanência de Scioli no cargo.
As divergências dentro do governo não eram novidade -no início da semana houve troca de farpas entre os ministros da Economia, Roberto Lavagna, e Planificação Federal, Julio de Vido- , mas atingiram proporções mais preocupantes depois que Kirchner decidiu trocar todo o comando da Secretaria de Turismo e Esporte, pasta que ficava sob tutela do vice. O alvo foi o secretário de Turismo Germán Pérez, homem de confiança de Scioli.
O "curto-circuito" -como a imprensa argentina define a crise- teve como pano de fundo declarações feitas pelo vice que desagradaram a Kirchner. Scioli, em encontro com empresários, defendeu um reajuste das tarifas públicas, congeladas desde janeiro de 2002, e marcou data para o aumento -outubro. Também criticou a decisão da Câmara de anular as leis de anistia que impedem o julgamento de militares da última ditadura (1976-83).
O temor de alguns analistas é de que a crise repita a história recente do país e que levou ao fim do governo de Fernando de la Rúa (1999-2001), cuja derrocada começou com a renúncia do vice Carlos Chaco Alvarez. Scioli tem sido enfático ao afirmar que não irá renunciar. "A população também votou em mim."
O governo nega que haja semelhanças entre a atual crise e a de De la Rúa. "Não há crise. Até porque Kirchner não é De la Rúa e Scioli não se parece com Chaco Alvarez", disse o ministro do Interior, Aníbal Fernández.
Scioli iniciou sua carreira política há menos de dez anos apoiado pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-99). Depois, associou-se ao ex-presidente Eduardo Duhalde, padrinho da candidatura de Kirchner à Presidência. Durante as eleições, os comentários eram de que Kirchner seria apenas um títere de Duhalde, mas o presidente parece se impor. Agora, os dois disputam poder dentro do PJ (Partido Justicialista).
A mulher de Duhalde, Hilda "Chiche" Duhalde, candidata ao Congresso, saiu em defesa de Scioli e criticou Kirchner ontem. "O presidente deveria cuidar dos direitos humanos para os vivos que se encontram em estado de pobreza e marginalidade."
"A crise entre Kirchner e Scioli, mais do que consequências institucionais, tem um conteúdo político. O que realmente está por trás desse enfrentamento é uma disputa do presidente com Duhalde", disse à Folha o analista político Rosendo Fraga.
Um levantamento telefônico realizado pela consultoria Equis mostrou que 63,7% dos entrevistados acreditam que a situação deve piorar nos próximos dias. Questionados sobre quem poderia estar por trás de Scioli na tentativa de desestabilizar o governo, 30% disseram ser Menem.

Manifestações
Desde anteontem, centenas de manifestantes estão acampados na frente da Casa Rosada (sede do governo). O protesto é para reclamar do atraso da liberação de verbas para programas sociais.


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