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IRAQUE SOB TUTELA
Para advogado de ex-ditadores, corte que julga iraquiano é "intelectualmente desonesta" e obstrui defesa
"Tribunal de Saddam é pior que o de Milosevic"
ÁLVARO FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O advogado italiano Giovanni
Di Stefano, que tem na lista de
clientes os ex-ditadores Saddam
Hussein (Iraque) e Slobodan Milosevic (antiga Iugoslávia), não
hesita em comparar os tribunais
enfrentados pelos dois. Para ele, o
de Milosevic "pode não ser muito
bom", mas é um tribunal internacional no qual há acesso aos documentos. Já o de Saddam, diz, é um
órgão "doméstico" e "intelectualmente desonesto".
Mas, apesar das críticas, o advogado não teme que seu cliente iraquiano seja condenado à morte.
Segundo ele, um acordo impede
Saddam de receber a pena capital.
Di Stefano, 55, vive no Reino
Unido desde os seis anos de idade
e lá ganhou fama ao participar de
casos bastantes controversos.
Além dos dois ex-ditadores, ele
também acompanha o processo
do britânico Ronald Biggs, preso
por participar do célebre "assalto
ao trem pagador", em 1963, e até
recentemente refugiado no Brasil.
Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Existe uma previsão de
quando será o julgamento de Saddam Hussein?
Di Stefano - Ele já deveria ter sido julgado. É uma vergonha que
isso ainda não tenha acontecido.
Ele está preso há 574 dias sem
acusação formal. No Brasil, você
pode ser preso sem acusação? Por
que isso seria possível no Iraque,
quando os americanos foram levar a democracia para lá?
Folha - Foi divulgado que o tribunal especial o acusou pelo assassinato de xiitas no povoado de Dujail, em 1982.
Di Stefano - Em direito, acusação
formal é quando você é denunciado e a defesa recebe documentos.
Nada disso aconteceu. O que eles
fizeram foi entrevistá-lo sobre
acusações preliminares, mas não
há nenhuma acusação específica
até o momento.
Folha - Após a prisão do ex-ditador iraquiano, o presidente George
W. Bush afirmou que ele teria um
julgamento justo. O senhor acredita que isso irá acontecer?
Di Stefano - Antes de casar com
um garota, você deve pedi-la em
casamento. Você deve beijá-la, e
levá-la para jantar fora talvez não
seja uma má idéia. Presentes também podem ajudá-lo. Antes de
você ter um julgamento, que é como um casamento, você tem que
ter uma acusação formal. Caso
contrário, seria a lei da selva: eles
poderiam atirar em você. A defesa
precisa ter acesso aos documentos, senão não é um julgamento
justo. Até agora nós não tivemos
acesso nem a uma folha de papel.
Folha - O Iraque voltou a adotar a
pena de morte. O ex-presidente poderá receber a sentença máxima?
Di Stefano - Não, isso não é possível. Existe um acordo assinado
por britânicos e iraquianos, em
2004, que estabelece que a pena de
morte não poderá ser imposta.
Folha - Já que não há acusação
formal, existe a possibilidade de
ele ser libertado?
Di Stefano - Eu já tentei, mas é
muito difícil. Nós estamos falando de um tribunal com motivações políticas, não de um órgão
imparcial. É um tribunal com
motivações políticas e intelectualmente desonesto.
Folha - O senhor acredita que o
julgamento também será político e
intelectualmente desonesto?
Di Stefano - Se você tem um tribunal assim, como as coisas podem ser diferentes? Você acaba do
mesmo jeito que começa. Em um
crime, você inicia escolhendo o alvo e acaba com o assassinato. É
uma bola de neve que só vai para
frente, nunca para trás.
Folha - É possível fazer uma comparação entre o julgamento de Slobodan Milosevic e de Saddam?
Di Stefano - O presidente Milosevic está sendo julgado em um
tribunal internacional, criado pela ONU. Ele pode não ser muito
bom, mas pelo menos é um tribunal internacional e nós temos
acesso aos documentos. É o mais
perto que você pode chegar de um
julgamento justo. O presidente
Hussein está sendo investigado
por um tribunal doméstico, local.
Não é um órgão internacional.
Folha - Por que o tribunal que julga Milosevic não é muito bom?
Di Stefano - Eu afirmei isso porque, em sua essência, ele é político, mas não chega ao ponto de
torná-lo muito injusto. Pelo menos, existe a possibilidade de liberdade condicional. Há elementos de um jogo limpo. O tribunal
especial do Iraque não é só intelectualmente desonesto, a motivação dele também é desonesta.
Folha - Um outro cliente famoso
do senhor é Ronald Biggs. Há novidades sobre o caso?
Di Stefano - Eu espero que Ronald Biggs seja solto ainda este
mês. Ele está muito doente. As autoridades britânicas só estão esperando um último relatório sobre o
quadro de saúde dele. Mas elas só
vão liberá-lo quando tiverem certeza que ele será melhor cuidado
aqui fora do que no presídio. Pode soar estranho, mas ele é muito
bem cuidado na prisão inglesa.
Logo que encontrem uma boa casa de repouso, ele será solto.
Folha - Por que o senhor está freqüentemente envolvido em casos
em que há repercussão na imprensa é muito grande?
Di Stefano - O dinheiro não me
motiva, eu já sou rico. O caso tem
que me estimular intelectualmente. Não tem nada que ver com a
mídia. Há filmes, documentários
e livros sobre a minha vida. Eu já
tive divulgação suficiente para o
resto da minha vida. No caso de
Saddam, eu conheço a pessoa e
acho que ele precisa da defesa
apropriada. Eu tenho tempo para
isso e as circunstâncias são adequadas. Então, é isso que eu farei.
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