São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Para Michael O'Hanlon, impasse sobre exploração petroleira é o mais complexo obstáculo para a Constituição

Paz iraquiana jaz no petróleo, diz analista

PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

Analista sempre presente nas páginas dos principais jornais americanos, Michael O'Hanlon afirma que o principal entrave às negociações internas no Iraque é mesmo o petróleo e que todos os outros temas -do islã ao direito das mulheres- serão resolvidos com o tempo.
Na semana passada, os iraquianos reunidos para redigir a nova Constituição do país não conseguiram cumprir o prazo estabelecido pelo governo com respaldo dos EUA. A nova data-limite estoura amanhã. Os americanos acreditam que, se não houver acordo, a insurgência pode se fortalecer com o impasse político.
O'Hanlon, que é PhD em relações internacionais pela Universidade Princeton e tem se dedicado a estudar a política iraquiana nos últimos anos, diz que não há como saber se os constituintes conseguirão cumprir o prazo. Há muitos pontos em aberto: os direitos das mulheres, uma proteção especial aos imãs xiitas (que não ficariam sujeitos à lei), o papel do islã na Constituição e a autonomia de curdos (no norte) e xiitas (no sul) nas regiões onde estão as principais reservas de petróleo do país.
Mas por trás de tudo isso, o ponto principal, segundo O'Hanlon, é mesmo a divisão do petróleo. "É importante não ter apenas uma Constituição, mas sim uma Constituição boa e justa, com os lucros do petróleo sendo divididos justamente entre as Províncias e entre a população. Sem isso, sou muito pessimista", afirma o especialista, do Instituto Brookings, um think-tank com base em Washington. Leia abaixo a entrevista.

Folha - Os iraquianos não conseguiram cumprir o prazo e passaram a semana em tensas negociações. O senhor acha que será possível um acordo na segunda-feira?
Michael O'Hanlon -
Não há como prever isso. Não há como ninguém que está aqui fora, e, muito provavelmente, para ninguém que está lá, também, saber. Eles estão fazendo isso pela primeira vez, e é algo tremendamente difícil escrever uma Constituição. De certo modo, eles estão tentando construir um país, partindo de três grupos étnico-religiosos extremamente definidos [curdos, que são 15% da população, árabes sunitas, que somam 20%, e árabes xiitas, que perfazem 60%].
Ainda que fossem um único país antes, obviamente era sob um forte regime autocrático. Então é a primeira vez que estão vendo se conseguem fazer isso funcionar democraticamente.

Folha - Há muitas questões em jogo, como a divisão do petróleo, autonomia para os curdos no norte e para os xiitas no sul... Existe algum ponto preponderante de entrave?
O'Hanlon -
Acho que esses dois são os mais importantes e constituem basicamente uma única questão. O mais importante em relação à autonomia é justamente a distribuição dos lucros com o petróleo, que é a questão mais crítica. Acredito que, no final, os xiitas terão de saber que não podem dar muito poder a seus próprios imãs na Constituição, e os sunitas provavelmente poderão aceitar algum papel para o islã em seu país -e não acho que isso signifique que será uma teocracia, em nenhuma hipótese.
Acho que muitas das questões sobre o papel do islã, das mulheres e dos imãs são importantes, mas não a ponto de provocar uma guerra civil que se aprofunde, porque não devem jogar nenhum grande grupo contra outro em um grau mais sério. Obviamente há preocupações, como a relação com o Irã. Mas acho que essas questões devem ser superadas, porque muitos países islâmicos tiveram esse tipo de problemas antes, e há muitos modelos lá fora. Os iraquianos devem chegar a um consenso em relação a isso. Já em relação à questão da autonomia e da divisão dos lucros do petróleo estou menos confiante.

Folha - Quais são as possibilidades, se houver ou não um acordo? Pode haver uma guerra civil?
O'Hanlon -
Não quero fazer previsões, mas é muito importante que se chegue a um acordo, porque os sunitas estão amargurados, se sentindo sem poder, e eles são a principal fonte da insurgência e podem levar à guerra civil. É importante não ter apenas uma Constituição, mas sim uma Constituição boa e justa, com os lucros do petróleo sendo divididos justamente entre as Províncias e entre a população. Sem isso, sou muito pessimista.


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