São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2006

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García quer pena de morte para abuso sexual infantil

Medida contraria tratado internacional de direitos humanos subscrito pelo Peru

Proposta conta com apoio popular, mas ainda depende de longa tramitação no Congresso e divide governo recém-empossado em Lima

FABIANO MAISONNAVE
DA REPORTAGEM LOCAL

A menos de um mês na Presidência peruana, Alan García já provocou a primeira grande controvérsia do seu segundo governo ao anunciar que proporá o mais rápido possível ao Congresso a reinstituição da pena de morte para violadores e assassinos de crianças. A iniciativa, defendida ao longo da campanha eleitoral, divide seu próprio gabinete, mas tem forte respaldo popular.
"Acredito que a sociedade precise de mais rigor, mais ordem e que os delinqüentes precisem de punições muito mais severas.Diante do crime atroz que é a violação repetida, o assassinato de uma criança, creio que essa gente não tem direito a viver", afirmou recentemente García, de centro-esquerda, em uma das várias declarações públicas sobre o tema desde que tomou posse, no final de julho.
O presidente peruano minimizou declarações contrárias de quatro ministros do seu próprio gabinete e até de sua segunda vice-presidente, Lourdes Mendoza del Solar (há dois vices no Peru). "Com a Justiça peruana, poderíamos condenar muitos inocentes", disse ela.
"São ministros de um governo eleito pelo povo, a quem foi prometido levar esse tema ao Congresso. Qualquer pessoa sabe que, ainda que esteja contra, deve permitir que se cumpra uma promessa eleitoral", rebateu García.
O abuso sexual contra crianças e adolescentes é apontado como um dos principais problemas de segurança pública no Peru. Dados do Ministério da Mulher e do Desenvolvimento Social estimam que, em média, ocorrem 30 delitos desse tipo por dia no país e que há cerca de 4.500 condenados por esse crime nos presídios peruanos.
A sensação de que se trata de um crime disseminado é aumentada pelos populares tablóides sensacionalistas peruanos, que costumam dar bastante destaque a casos de abuso sexual contra crianças. Segundo uma pesquisa citada recentemente pelo próprio García, 85% dos peruanos aprovam a pena de morte para esse crime.
Por outro lado, opositores ao projeto no Peru têm citado outra estatística oficial, segundo a qual 76% dos casos são cometidos por alguém do entorno familiar. Desses, 56% são pais ou padrastos. A aplicação da pena de morte, avaliam, acarretaria ainda mais problemas familiares a essas crianças.
A pena de morte no Peru foi praticamente abolida em 1979, ficando restrita apenas a "traidores da pátria" durante períodos de guerra.

Discussão jurídica
Para aprovar a pena de morte, García conta até agora com o apoio do seu partido, o Apra, e dos fujimoristas, respectivamente a segunda (36) e a quarta (13) maior bancada do Congresso, que é unicameral.
É pouco para uma reforma constitucional que, além de aprovar a pena de morte, terá de tirar o Peru da competência da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos. Esse tratado, do qual o Peru é signatário, impede que se restabeleça a pena de morte em países que a aboliram.
Uma reforma constitucional precisa de 81 dos 120 votos em duas legislaturas seguidas.
Os partidários de García têm sugerido o melhor caminho é que o Peru rechace parte da convenção para aprovar a pena de morte. "Com quem queremos ter problemas? Com a sociedade que exige resposta ou com a Corte Internacional de Direitos Humanos?", afirmou o parlamentar do Apra Maurício Mulder, um dos principais porta-vozes governistas.
O projeto de García e a intenção de sair da convenção têm provocado críticas também no exterior. Na quinta-feira, a Federação Internacional dos Direitos Humanos disse que a medida "iria de encontro com a tendência atual de abolição da pena de morte no mundo" e exortou o governo peruano a cumprir os tratados internacionais de direitos humanos.


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