São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Diálogo começa com engodos


Para que a retomada do processo de paz dê algum resultado, Israel precisa sair de seu atual conforto


NÃO DÁ PARA esperar muito de um diálogo para a paz (no caso entre israelenses e palestinos) que começa embalado em tergiversações, a única maneira, aliás, de fazer com que os dois lados aceitassem sentar-se à mesma mesa, o que não acontece há quase dois anos.
Qual foi a isca que fez o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, aceitar o convite ontem oficializado pelo Quarteto (Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Nações Unidas)?
Um texto desse grupo em que se afirma que um acordo de paz pode ser obtido em um ano para pôr fim "à ocupação [israelense] que começou em 1967".
Abbas pôde, portanto, ler o texto como uma garantia do Quarteto de que o futuro Estado palestino será constituído com base nas fronteiras vigentes até 1967, antes, portanto, de que Israel ocupasse todos os territórios que os palestinos reivindicam, inclusive Jerusalém Oriental.
Essa condição é essencial para os palestinos.
Mas não é exatamente isso que está dito nem o texto cobra de Israel o desmantelamento de todas as colônias construídas desde então nos territórios ocupados.
Nem sequer defende que deve manter o congelamento das construções nessas áreas, determinado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu há dez meses e que vence em 26 de setembro.
Aliás, foi essa data que provocou o anúncio da retomada das negociações diretas, apesar de não haver um único analista que manifeste otimismo a respeito das perspectivas do processo.
Afinal, se todos esperassem até 26 de setembro e as construções recomeçassem, os palestinos não aceitariam negociar. Se o congelamento fosse estendido, Netanyahu poderia cair e haveria um vácuo político em Israel que impediria qualquer diálogo.
Para levar Netanyahu a Washington, palco do reinício da negociação, Hillary Clinton usou a expressão mágica: o reinício se dará "sem condições prévias".
Ou seja, Netanyahu pode dizer aos duros que apoiam a sua coalizão que não há nenhuma imposição prévia a Israel nem mesmo o congelamento das colônias que os Estados Unidos chegaram a exigir poucos meses atrás.
Em tese, o fato de não haver condições prévias é uma manifestação de neutralidade do Quarteto. Na prática, favorece Israel porque é quem tem quem tem que fazer concessões, na situação a que se chegou na vida real.
Como escreveu para o "El País" Shlomo Ben Ami, ex-chanceler israelense e um dos mais lúcidos e isentos analistas de Oriente Médio, "absortos no auge de sua economia, reafirmados pelo recente compromisso do presidente Barack Obama de nunca abandonar Israel, e convencidos de sua capacidade de derrotar o terrorismo palestino na Cisjordânia e de evitar que o Hamas [que controla a faixa de Gaza] se aventure a outra guerra, os israelenses perderam todo o sentido de urgência em relação ao problema palestino".
Posto de outra forma, Israel se sente confortável com o status quo, ao passo que os palestinos estão acuados e agoniados.
Logo, quem precisa ser desacomodado é Israel.
Sem isso, o reinício do diálogo será apenas o prólogo de um novo fracasso.


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