São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 2005

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HISTÓRIA

Veterano austríaco dedicou 60 anos à captura dos responsáveis pelo genocídio contra judeus na Segunda Guerra

Morre Wiesenthal, "caçador de nazistas"

Out.1992/Efe
Simon Wiesenthal caminha por um cemitério judeu vandalizado em Eisenstadt, Áustria, em 1992


DA REDAÇÃO

Simon Wiesenthal, que dedicou 60 anos de sua vida à identificação de criminosos de guerra nazistas, morreu ontem em Viena, enquanto dormia. Tinha 96 anos.
Ele criou e dirigiu o Centro de Documentação Judaica, uma instituição instalada em três pequenas salas no centro da capital austríaca, onde reuniu provas que permitiram identificar sob falsa identidade e eventualmente julgar cerca de 1.100 pessoas envolvidas durante a Segunda Guerra no extermínio de judeus.
Em 1977 foi criado o Centro Simon Wiesenthal, entidade com objetivos diferentes -direitos humanos e combate ao anti-semitismo- com escritórios nos Estados Unidos e em Israel.
O Centro de Documentação Judaica ainda investiga em 16 países 1.250 casos de suspeitos de participação no genocídio nazista.
Entre os personagens por ele localizado estão Karl Joseph Silberbauer, oficial da Gestapo que prendeu a família de Anne Frank em Amsterdã, em 1944, Josef Schwammberger, oficial da SS extraditado da Argentina pela morte de prisioneiros ou a manutenção deles como escravos na Polônia, ou Hermine Braunsteiner-Ryan, carrasca do campo de concentração de Maidanek. Está também na lista Valerian Trifa, ex-fascista de Bucareste e carrasco de civis judeus, localizado nos Estados Unidos como arcebispo da Igreja Ortodoxa Romena.
Coube também comprovadamente a ele a captura de Franz Stangl, ex-comandante do campo de concentração de Treblinka e Sobibor, na Polônia, e Gustav Franz Wagner, um dos adjuntos de Stangl. Foram todos extraditados e condenados ou então morreram na prisão enquanto aguardavam julgamento.
Wiesenthal reivindicou o monitoramento de Adolf Eichmann, responsável pelo transporte de judeus aos campos de extermínio e que os serviços secretos de Israel seqüestraram em Buenos Aires, em 1960. Mas Israel argumentou que foram outros informantes -como o promotor alemão Fritz Bauer- que permitiram a captura do criminoso, julgado pela Justiça israelense e enforcado.
Wiesenthal se esforçou para encontrar Josef Mengele, autor de experimentos "científicos" em cobaias humanas em Auschwitz, que morreu afogado em São Paulo, em 1979, e cuja ossada foi localizada apenas em 1985.
Qualificado de "o caçador de nazistas" e espécie de advogado dos 6 milhões de judeus exterminados pelo Terceiro Reich, Wiesenthal era um homem brigão, criticado por setores interessados em transformar os crimes da Alemanha em episódios históricos.
Polemizou em público com Serge Klasfeld, francês e também caçador de nazistas, responsável pela localização na Bolívia do carrasco Klaus Barbie.
Corpulento, dono de um notável bigode, voz pausada e facilmente excitável em conversas sobre seu tema de constante interesse, Simon Wiesenthal se tornou o símbolo vivo de um longo combate em que são hoje bem poucos os sobreviventes.
Ele nasceu no último dia de 1908 em Buczacs, hoje na Ucrânia e na época parte do Império Austro-Húngaro. Formou-se em arquitetura pela Universidade de Praga. Casou-se com Cyla, com quem viveria 67 anos e que lhe deu sua única filha, Pauline.
Foi prisioneiros dos russos na Polônia e em seguida dos alemães, que, com o início da guerra, o transportaram sucessivamente por 12 campos de concentração. Foi libertado pelas forças americanas em Mauthausen, na Áustria, em maio de 1945. Havia tentado duas vezes o suicídio e pesava pouco mais de 40 kg.
Trabalhou para os serviços de inteligência do Exército dos Estados Unidos, que se aparelhava para impedir a fuga de criminosos de guerra. Em seguida chefiou o comitê judaico na zona de ocupação americana.
Instalou em Linz, na Áustria, um Centro de Documentação da História Judaica, cujos arquivos foram cedidos em 1954 ao governo israelense. Só anos depois, estimulado pelo caso Eichmann, ganharia novamente notoriedade a partir de seus escritórios, reabertos desta vez em Viena.
Wiesenthal era um homem paciente, que sabia operar em sigilo para não espantar suas presas. Quase nunca cantou vitória. Informava jornalistas ou diplomatas e espiões estrangeiros, dependendo da complexidade das investigações pela frente.
Não se sabe até que ponto seus arquivos superaram em detalhamento os mantidos pelos serviços oficiais de espionagem. Mas é possível que, pela obstinação e pela não-adesão à tese de que a guerra já era assunto do passado, tenha sido o mais eficaz. Era ele que informantes da comunidade judaica procuravam com dados sobre núcleos de exilados alemães suspeitos -como a colônia Dignidade, do Chile, ou o grupo Odessa, espécie de sociedade de ajuda mútua de ex-nazistas.
Em sua necrologia que está sendo publicada hoje, o "New York Times" assinala uma nódoa na biografia de Wiesenthal: o fato de, mesmo conhecedor dos fatos, ter encoberto por algum tempo o passado nazista de Kurt Waldheim, ex-presidente da Áustria e ex-secretário-geral das Nações Unidas (1972-81), hoje caído em desgraça.

Com agências internacionais

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