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Escola afegã funciona ao ar livre
KENNEDY ALENCAR
ENVIADO A JABAL-SARAJ (AFEGANISTÃO)
A professora Malali diz que não
usaria a burga, vestimenta que cobre todo o corpo da mulher e que
tem um retângulo de renda na altura dos olhos para permitir que
se enxergue. "Mas o Afeganistão
não é um país civilizado. Enquanto não houver paz, é melhor usar a
burga, ela nos protege", diz.
Segundo ela, sem a burga, seria
vítima da ira dos homens do país.
"No mínimo, seria agredida verbalmente na rua, senão apedrejada. Perderia minhas amigas. Muitas coisas ruins aconteceriam. E
essas coisas não me deixam escolha", afirma a professora de uma
escola para meninas na parte do
Afeganistão controlada pela
Aliança do Norte.
Os rebeldes são menos radicais
que o Taleban, que fechou as escolas para meninas e açoita publicamente as mulheres que saem de
casa sem a companhia do marido
ou de um parente próximo. No
entanto a Aliança do Norte também trata a mulher com alto grau
de machismo, sempre justificado
pelos costumes culturais e pelos
versos do Corão.
Contrariada por ter sido convidada a falar da escola e estar respondendo apenas a perguntas sobre a burga, Malali diz, num tom
de voz impaciente: "Entenda nossos costumes. Podem não ser certos, mas são os costumes daqui.
Não há como fugir deles".
O diretor da escola, Said Mohammad, que impôs como condição nada de fotos para apresentar
uma de suas professoras, trancadas em uma sala quando o repórter da Folha chegou para visitar a
escola, decide interferir, também
demonstrando impaciência: "Há
30 anos, a burga não era obrigatória no Afeganistão. Nas cidades
grandes, as mulheres não a usavam. Mas o Afeganistão mudou
muito nos últimos 30 anos. Vamos falar da escola, por favor, ou
encerramos a entrevista".
Malali concorda em responder
a perguntas pessoais antes de nos
restringirmos à escola. Aos 34
anos, tem seis filhos, quatro meninos e duas meninas. Conta que os
cinco filhos mais velhos vêm para
a escola com ela. "São os primeiros em suas séries, porque os faço
estudar à tarde em casa."
Seu salário é de 6,5 lakes ou 650
mil afeganis da região -o equivalente a US$ 16. Ela não recebe todo
mês, mas a cada três ou quatro
meses. "Entendo que nosso governo [a Aliança do Norte" tem
dificuldades. Eu viria mesmo que
não ganhasse nada. Estou fazendo um trabalho pela comunidade", afirma, gesticulando nervosamente as mãos de unhas pintadas de vermelho.
Quando ganha o dinheiro, diz
que dá tudo para o marido, que é
professor numa escola só para
meninos. Apesar disso, ela relata
que pode interferir nos gastos,
"porque é a mulher que sabe as
necessidades de uma casa". Ela
diz que no Afeganistão todos os
que trabalham numa casa juntam
seu dinheiro para dar ao chefe de
família, sempre um homem.
Desta vez não há conversa, o diretor pede que a entrevista seja interrompida e manda Malali se
trancar na sala onde estão as outras professoras. Gentilmente,
Said Mohammad, 68, monitora
um passeio pelo estabelecimento
que dirige há mais de 20 anos.
Prédio destruído
Na escola para meninas de Ushtageram, estudam mais de 800
alunas, da 1ª à 12ª série, o equivalente aos ensinos básico e médio
brasileiros. O horário de aula é
das 8h às 12h35 na primavera e no
outono. No verão, as aulas vão até
as 13h. No inverno, acabam ao
meio-dia. Dos 12 meses do ano, 9
são de aulas e 3 de férias.
Como o prédio principal foi
destruído nas três vezes em que o
Taleban atacou a região de Ushtageram, que fica na Província de
Kapisa, as salas de aula são ao ar
livre, perto do que sobrou dos
muros que cercavam a escola.
Alunas de classes mais avançadas ensinam as outras, já que as
professoras continuam trancadas
em uma das três salas da escola,
num prédio pequeno e novo, no
qual também ficam a sala do diretor e um almoxarifado. Na 12ª série de Ushtageram, há estudantes
de mais de 20 anos, com o corpo
também devidamente coberto
pela burga.
Para começar a estudar, a idade
mínima é 7 anos, mas há meninas
com bebês de colo prestando
atenção à "aluna-assistente" que
ensina persa, a língua da região.
Também há crianças mais velhas
e alguns meninos. Até a segunda
série estudantes de até 11 anos, são
aceitos alguns meninos que moram perto e que teriam de andar
muito para chegar à escola masculina. Após essa idade, meninos
e meninas estudam separados.
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