São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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VENEZUELA

Governo diz que frustrou plano de opositores de lançar míssil contra avião presidencial que voltava da Europa

Chávez afirma que escapou de atentado

Kimberly White/Reuters
Soldado venezuelano vigia entrada de estação de metrô, em Caracas, na véspera da greve geral


MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

Um novo ingrediente elevou a tensão política na Venezuela, na véspera de uma greve geral programada para hoje pelas oposições ao presidente Hugo Chávez. Ao voltar de uma viagem à Europa, Chávez disse que o governo frustrou uma tentativa de assassiná-lo por meio de um atentado que explodiria o avião presidencial no sábado.
Segundo Chávez, órgãos de segurança encontraram um lança-mísseis portátil numa barraca de praia perto do aeroporto de Maiquetía (a 30 minutos de Caracas), perto da pista onde seu avião pousaria na noite de sábado.
Alertado para o fato durante o vôo, Chávez disse ter ordenado o desvio do avião para um aeroporto alternativo por precaução. Ninguém foi preso, mas, segundo o presidente, foram apreendidos uma agenda com instruções e um telefone celular no qual estavam registradas 46 chamadas.
"Os nomes e os telefones que aparecem são de golpistas: militares golpistas, civis golpistas, dirigentes de partidos políticos golpistas, gente que tem a ver com alguns meios de comunicação", disse Chávez durante o "Alô Presidente", programa semanal no qual conversa diretamente com a população e que é marca registrada de seu estilo presidencial.
Chávez declarou que as oposições "vão dizer que isso é mentira", mas que o governo está preparado para reagir.
"Um pouco mais e eu não estaria mais aqui. Só pode fazer isso quem perdeu a razão. Isso é terrorismo. Respeitamos os direitos humanos de todos, mas temos que agir rápido", disse Chávez.
O presidente afirmou que, de agora em diante, mudará os seus hábitos. Por exemplo, não discursará mais em locais abertos por medo de sofrer um atentado.
Presente no programa, o ministro do Interior da Venezuela, Deosdado Cabello, que teria descoberto o plano para assassinar Chávez, afirmou que "a resposta será contundente". Essa declaração indica que vários civis e militares poderão ser presos a qualquer momento. Isso dividiria ainda mais as Forças Armadas, fracionadas seriamente desde o golpe militar/empresarial que tirou Chávez do poder por menos de 48 horas em abril passado.
Cerca de 40 oficiais do alto comando foram afastados ou estão sendo processados por sublevação num tribunal militar. Um deles, o general de brigada Hernan Rojas Pérez, convocou ontem os militares a deixarem de compor "uma Força Armada a serviço de um partido político" para que se tornem uma instituição independente.
Pela segunda vez em menos de duas semanas, Chávez anuncia ter frustrado uma tentativa de assassiná-lo. Na primeira, no dia 6 de outubro, os serviços de inteligência invadiram a casa do ex-chanceler social-democrata Enrique Tejera, 83, apreendendo documentos, vídeos e um mapa no qual supostamente havia uma estratégia de golpe e assassinato contra o presidente.
Naquela ocasião, as oposições a Chávez disseram que suas declarações eram um "show" para desacreditá-las e enfraquecer o movimento "cívico" que procura forçar Chávez a renunciar ou a convocar novas eleições.
As oposições são lideradas pela Fedecámaras, principal entidade empresarial da Venezuela, e pela CTV, uma das principais entidades de trabalhadores do país. Somadas aos partidos de oposição a Chávez, as duas entidades se uniram numa "Coordenação Democrática" que, num ultimato a Chávez, exigiu a renúncia do presidente até quarta-feira da semana passada sob a ameaça de realização de uma greve geral de (pelo menos) 12 horas.
O presidente não só ignorou o ultimato como também concedeu aumentos de até 35% aos trabalhadores da indústria petrolífera, setor cuja adesão à greve é essencial para que a paralisação tenha sucesso.

"Fracasso"
"A greve já fracassou por antecipação", disse Chávez ontem. "É uma greve patronal, não de trabalhadores. É uma greve da cúpula que perdeu a essência e a razão. De grupos fascistas e golpistas, de gente que sempre tem uma agenda oculta, uma carta oculta."
Para Chávez, o objetivo dos grevistas é "gerar uma onda de sangue e de mortes" para justificar uma intervenção da comunidade internacional. "Eles preferem uma comunidade internacional a Chávez, vejam que absurdo."
O governo e as oposições exibem na TV dados discrepantes sobre a adesão dos sindicatos à greve. O governo diz que os transportes, as siderúrgicas e as indústrias ligadas ao setor de petróleo vão trabalhar normalmente. A Fedecámaras anunciou que entre 75% e 95% do país vai parar. As versões conflitantes refletem uma extrema polarização da sociedade venezuelana, existente não só no meio político mas também nas estruturas sindical e militar.

Marchas
Ontem, o clima nas ruas de Caracas foi marcado por pequenas "marchas", patrocinadas pela oposição, e pela presença da Guarda Nacional, convocada pelo governo para garantir a ordem.
A maior marcha partiu da "Praça França", num bairro de classe média alta da cidade (Altamira). A praça tem sido o local habitual de protestos contra o presidente, que batizou o local de "Praça das Dondocas".
A paralisação está prevista para durar apenas 12 horas, mas a CTV deverá anunciar hoje uma nova paralisação, desta vez de 48 horas. Se isso acontecer, o governo poderá decretar estado de emergência para ocupar indústrias e impedir que a paralisação afete a "estabilidade do país".



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