São Paulo, quarta-feira, 21 de novembro de 2007

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ARTIGO

Serviço público é marca cultural francesa

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos componentes culturais da França é o apreço aos serviços de alta qualidade prestados pelo Estado. Não há praticamente hospitais ou universidades da iniciativa privada. Crianças e adolescentes são apenas matriculados nas poucas escolas particulares quando os pais preferem o ensino religioso. Correios e transportes terrestres são exemplares.
O setor público é também gigantesco. Possui 5,2 milhões de funcionários para um país de 63,7 milhões de habitantes, o que não é escandaloso.
Ao ser eleito em maio, o presidente Nicolas Sarkozy anunciou dois pacotes de medidas que estão na origem das greves que se encavalaram umas sobre as outras e praticamente paralisaram ontem a França.
Ele pretende pôr fim ao regime especial de aposentadorias. Algumas categorias -maquinistas de trens e metrô, cenógrafos da Ópera de Paris e da Comédie Française- recebem pensões integrais com menor tempo de cotização. Os beneficiados -meio milhão na ativa e 1,1 milhão de aposentados- não têm, segundo as pesquisas, o apoio da população.

Aposta no esvaziamento
O presidente francês assumiu o risco da greve, que ontem completou uma semana, sabendo existir uma tendência ao esvaziamento. Os ferroviários paralisados eram ontem apenas 27%, e os metroviários, 18%. Sarkozy, mudo durante todos esses dias, reafirmou ontem que o governo "não cederá e não recuará".
Mas também entraram em greve, embora só por 24 horas, 39% dos professores, 19% dos funcionários da saúde e 15% nos empregados dos Correios. Em média, diz o governo, 30% dos funcionários públicos deixaram de trabalhar ontem. Mas também ocorreram fotogênicas passeatas que reuniram 700 mil em todo o país, segundo as centrais sindicais.
O instituto CSA, em pesquisa encomendada pelo diário comunista "L"Humanité", diz que, ao contrário dos que querem manter o privilégio das aposentadorias antecipadas, esses grevistas têm a simpatia de 53% da população.
Sarkozy não quer e não pode demiti-los. Mas propõe um plano de enxugamento gradativo dos quadros -a cada três aposentados, apenas duas contratações. Não quer controlar o déficit fiscal por meio da diminuição da folha de pagamento. A idéia é financiar um programa de diferenciação individual de rendimentos, baseado na produtividade e nas horas extras. Os sindicatos, o que se enquadra na lógica da visão homogênea de cada categoria, previsivelmente são contra.
Nada indica que o presidente recuará desse plano. Diz que um Estado mais eficaz concorre em condições vantajosas dentro da União Européia.
Isso não impede que, de imediato, a vida dos franceses tenha se transformado num inferno. Desde a semana passada com menos ônibus, trens ou metrôs, ontem milhões de pais ou mães foram obrigados a ficar em casa para tomar conta dos filhos menores. O setor de serviços foi afetado em cheio.
É parte de um jogo no qual, ao contrário das greves do setor público de 1995, é desta vez bem mais provável que Nicolas Sarkozy saia ganhando.


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