São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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EUA

Pressão após declarações em defesa de ex-presidenciável que tinha plataforma segregacionista leva Trent Lott a renunciar

Racismo derruba líder de Bush no Senado

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Depois de semanas de fritura política, o senador Trent Lott (Mississipi) renunciou ontem à liderança do Partido Republicano (do presidente George W. Bush) no Senado. Foi o preço que pagou por declarações racistas feitas no início do mês durante cerimônia de aniversário de cem anos de Strom Thurmond, senador republicano da Carolina do Sul.
Essas declarações trouxeram a ferida do segregacionismo de volta ao debate político americano e desviaram, por algum tempo, o foco da opinião pública sobre um possível ataque ao Iraque.
Lott jogou a toalha ao perceber que a Casa Branca e seu partido desistiram de apoiá-lo e que outros senadores republicanos abriram campanha aberta para sucedê-lo -o principal deles é Bill Frist (Tennessee), que contaria com o apoio de Bush. Apesar da renúncia, Lott vai manter seu mandato.
A controvérsia teve início quando Lott homenageou, em discurso extremamente elogioso, o senador Thurmond, que, em 1948, concorreu à Casa Branca com uma plataforma segregacionista.
Embora democrata naquele ano, Thurmond liderava uma chapa dissidente. Rompera com seu partido por discordar do programa de proteção dos direitos civis promovido pelo então presidente Harry Truman. Thurmond perdeu as eleições de 1948, mas venceu a votação popular em Estados sulistas que apoiavam a agenda segregacionista. Sua chapa pregava, entre outras coisas, o fim dos casamentos inter-raciais.
Ao homenagear Thurmond, Lott disse: "Quero dizer o seguinte sobre meu Estado. Quando Strom Thurmond concorreu a presidente, nós votamos nele. Temos orgulho disso. E, se o resto do país tivesse nos seguido, não teríamos tido esses problemas que tivemos ao longo dos anos".
Lott não esclareceu o que quis dizer com "esses problemas", mas ficou óbvio que se tratava de uma alusão aos conflitos dos negros para obter cidadania plena e abolir a discriminação.
Depois da declaração, Lott fez vários pedidos públicos de desculpas. Implorou por perdão numa emissora de TV dirigida à comunidade negra, a Black Entertainment. Em vão. Seus esforços fracassaram definitivamente quando emissoras de TV divulgaram imagens comprovando que não fora a primeira vez que Lott manifestara opiniões como aquela. Bush criticou publicamente o senador, dizendo que as declarações foram ofensivas e que Lott "fez bem" em pedir desculpas.
Além de indicar que o establishment político americano não está livre do racismo, o episódio estimulou reflexões sobre se a sociedade americana está realmente integrada, décadas depois do movimento pela integração racial.
Recente pesquisa feita pelo instituto Zogby com pessoas entre 18 e 29 anos mostra que 50,3% dos jovens americanos não vêem problemas na idéia de raças vivendo separadamente nos EUA, desde que elas recebam tratamento e direitos iguais.
Desconhecendo a própria história americana, os jovens não sabiam que esse era o princípio básico do segregacionismo das chamadas "Leis Jim Crow" - que, embora tenham colocado os negros num status de cidadãos de segunda classe, propunham uma acomodação das raças de forma "separada, mas igual".
Num breve comunicado divulgado por seu gabinete, Lott afirmou que tomava a atitude "em benefício da busca da melhor agenda possível para o futuro" do país.
Sua decisão de se manter como senador obedece a uma estratégia política. Os republicanos preocupavam-se com a possibilidade de perder a maioria no Senado se ele deixasse o cargo junto com a liderança. Isso ocorreria porque o governador democrata do Estado poderia nomear um democrata para substituí-lo, dividindo o poder no Senado. Cada partido ficaria com 50 cadeiras.
Bush disse respeitar a decisão de Lott. "Eu respeito a decisão muito difícil que Trent teve de tomar em benefício do povo americano", afirmou o presidente em um comunicado. "Trent é um amigo estimado e um homem que eu respeito."


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