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EUA
Pressão após declarações em defesa de ex-presidenciável que tinha plataforma segregacionista leva Trent Lott a renunciar
Racismo derruba líder de Bush no Senado
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Depois de semanas de fritura
política, o senador Trent Lott
(Mississipi) renunciou ontem à liderança do Partido Republicano
(do presidente George W. Bush)
no Senado. Foi o preço que pagou
por declarações racistas feitas no
início do mês durante cerimônia
de aniversário de cem anos de
Strom Thurmond, senador republicano da Carolina do Sul.
Essas declarações trouxeram a
ferida do segregacionismo de volta ao debate político americano e
desviaram, por algum tempo, o
foco da opinião pública sobre um
possível ataque ao Iraque.
Lott jogou a toalha ao perceber
que a Casa Branca e seu partido
desistiram de apoiá-lo e que outros senadores republicanos abriram campanha aberta para sucedê-lo -o principal deles é Bill
Frist (Tennessee), que contaria
com o apoio de Bush. Apesar da
renúncia, Lott vai manter seu
mandato.
A controvérsia teve início quando Lott homenageou, em discurso extremamente elogioso, o senador Thurmond, que, em 1948,
concorreu à Casa Branca com
uma plataforma segregacionista.
Embora democrata naquele
ano, Thurmond liderava uma
chapa dissidente. Rompera com
seu partido por discordar do programa de proteção dos direitos civis promovido pelo então presidente Harry Truman. Thurmond
perdeu as eleições de 1948, mas
venceu a votação popular em Estados sulistas que apoiavam a
agenda segregacionista. Sua chapa pregava, entre outras coisas, o
fim dos casamentos inter-raciais.
Ao homenagear Thurmond,
Lott disse: "Quero dizer o seguinte sobre meu Estado. Quando
Strom Thurmond concorreu a
presidente, nós votamos nele. Temos orgulho disso. E, se o resto do
país tivesse nos seguido, não teríamos tido esses problemas que
tivemos ao longo dos anos".
Lott não esclareceu o que quis
dizer com "esses problemas", mas
ficou óbvio que se tratava de uma
alusão aos conflitos dos negros
para obter cidadania plena e abolir a discriminação.
Depois da declaração, Lott fez
vários pedidos públicos de desculpas. Implorou por perdão numa emissora de TV dirigida à comunidade negra, a Black Entertainment. Em vão. Seus esforços
fracassaram definitivamente
quando emissoras de TV divulgaram imagens comprovando que
não fora a primeira vez que Lott
manifestara opiniões como aquela. Bush criticou publicamente o
senador, dizendo que as declarações foram ofensivas e que Lott
"fez bem" em pedir desculpas.
Além de indicar que o establishment político americano não está
livre do racismo, o episódio estimulou reflexões sobre se a sociedade americana está realmente
integrada, décadas depois do movimento pela integração racial.
Recente pesquisa feita pelo instituto Zogby com pessoas entre 18
e 29 anos mostra que 50,3% dos
jovens americanos não vêem problemas na idéia de raças vivendo
separadamente nos EUA, desde
que elas recebam tratamento e direitos iguais.
Desconhecendo a própria história americana, os jovens não sabiam que esse era o princípio básico do segregacionismo das chamadas "Leis Jim Crow" - que,
embora tenham colocado os negros num status de cidadãos de
segunda classe, propunham uma
acomodação das raças de forma
"separada, mas igual".
Num breve comunicado divulgado por seu gabinete, Lott afirmou que tomava a atitude "em
benefício da busca da melhor
agenda possível para o futuro" do
país.
Sua decisão de se manter como
senador obedece a uma estratégia
política. Os republicanos preocupavam-se com a possibilidade de
perder a maioria no Senado se ele
deixasse o cargo junto com a liderança. Isso ocorreria porque o governador democrata do Estado
poderia nomear um democrata
para substituí-lo, dividindo o poder no Senado. Cada partido ficaria com 50 cadeiras.
Bush disse respeitar a decisão de
Lott. "Eu respeito a decisão muito
difícil que Trent teve de tomar em
benefício do povo americano",
afirmou o presidente em um comunicado. "Trent é um amigo estimado e um homem que eu respeito."
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