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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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Agora, mídia árabe não poderá ignorar evento

DA REPORTAGEM LOCAL

O julgamento de Saddam Hussein por um tribunal iraquiano terá uma magnitude jornalística inédita no mundo árabe. Por mais que os países árabes do Oriente Médio censurem a imprensa e proíbam temas delicados, será desta vez impossível evitar que a internet e as TVs por satélite ofereçam um espetáculo singular.
É a previsão de Muna Nashashibi, dirigente do Arab Media Watch (observatório da mídia árabe), entidade pró-árabe baseada em Londres.
A seu ver, é possível um julgamento a portas fechadas, sem a possibilidade de transmissão ao vivo de depoimentos. Mas, se for essa a decisão, o governo norte-americano estaria perdendo uma oportunidade excepcional de detalhar diante das câmeras os crimes do ditador deposto.

Arbítrio e violência
Nashashibi diz não acreditar que árabes de outros países associem a ditadura de Saddam a seus próprios governantes. Há segundo ela uma consciência muito nítida de que Saddam e o Iraque sempre foram casos de arbítrio e violência muito excepcionais.
Seu otimismo não é compartilhado por outra instituição que acompanha a mídia árabe, a Middle East Media Research Institute (instituto de pesquisa da mídia no Oriente Médio), de orientação liberal e baseada em Washington.
"A tragédia com a mídia árabe está no fato de ela ter apoiado Saddam, mesmo quando ele já estava deposto, só porque ele se tornou um símbolo anti-EUA e anti-Ocidente", diz Yigal Carmon, presidente da entidade.
Quando começaram a ser localizadas, partir de abril, as valas comuns em que os partidários de Saddam sepultavam milhares de seus dissidentes, o fato foi bem pouco noticiado nos países árabes pelos jornais e emissoras.
Foram exceção à regra a mídia do Kuait, dos Emirados Árabes e a saudita impressa em Londres. Foi também o caso da Al Jazira, uma das TVs árabes por satélite. E mesmo assim discretamente, depois que a CNN e a BBC, suas concorrentes regionais, já haviam dedicado ao tema amplas reportagens.
A Al Arabiya, outra TV por satélite, nada noticiou. O mesmo vale para os jornais do Egito, do Líbano e da Síria.

"Chauvinismo nacionalista"
"Foi uma expressão do apoio camuflado a Saddam e da predisposição de perdoá-lo por seus crimes, só porque ele se opõe agora aos Estados Unidos e virou a expressão de um chauvinismo nacionalista", diz Carmon.
A seu ver a questão da descoberta de valas comuns está estreitamente ligada à forma pela qual os árabes cobrirão o julgamento do ex-ditador, que passa a reunir os ingredientes políticos para se transformar em "herói".
Assim, o julgamento servirá como um divisor de águas no Oriente Médio. Na avaliação de Carmon, "será possível saber quem é a favor de Saddam e quem defende valores democráticos e humanitários". (JBN)


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