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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

A hora da verdade

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Trata-se da hora da verdade para a União Européia. É necessário determinar se ela conseguirá funcionar com 25 países-membros ou se ficará imobilizada. E o andar das negociações, com a esfera econômica influenciando a política, não permite grande otimismo.
A análise é de Christian Lequesne, especialista em UE, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (Paris) e co-autor de, entre inúmeros outros livros e artigos sobre o tema, "Les Institutions de l'Union Européenne" (as instituições da UE) e de "Quelle Union pour Quelle Europe?" (qual união para qual Europa).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

 

Folha - Como o sr. vê o fracasso da cúpula terminada no último final de semana, em Bruxelas, e a ameaça dos principais financiadores do bloco de fazer retaliações?
Christian Lequesne -
De fato, a cúpula não pôde atingir o seu maior objetivo, que era chegar a um consenso sobre a futura Constituição do bloco. Isso ocorreu porque os países mais fortes da UE, como a Alemanha e a França, pleiteavam uma mudança do sistema de votação nas diferentes instituições do bloco, o que lhes daria mais peso no processo de tomada de decisões. A Espanha e a Polônia foram os principais Estados contrários à iniciativa.
Em seguida, uma carta assinada por vários governos, incluindo o francês e o alemão, mostrou a intenção dos maiores financiadores do bloco. Na reforma financeira, que deverá ocorrer em 2006 para entrar em vigor em 2007, eles buscarão reduzir o teto de contribuições, que, até agora, é de 1,27% do PIB [total de riquezas produzidas] dos países, para 1% do PIB.

Folha - Quais são os maiores riscos dessa situação?
Lequesne -
Teremos um momento muito duro por conta disso, e as negociações tendem a ser ainda mais acaloradas. É uma pena que percamos tempo com a Constituição. Com isso, o risco de misturar o debate político com o econômico é muito grande.
Afinal, se tivéssemos lançado o processo político em Bruxelas, firmando um texto constitucional, teríamos iniciado o processo de ratificação, e tudo poderia estar terminado em 2005. Contudo, como isso não ocorreu, as negociações serão longas, e nada garante que possamos chegar a um consenso durante a presidência irlandesa [1º de janeiro a 30 de junho de 2004]. Talvez as negociações tenham de continuar até a presidência seguinte -holandesa.
Isso dilui a dinâmica política criada pela Convenção sobre o Futuro da Europa, que preparou o projeto de Constituição.

Folha - Entramos, portanto, num momento em que pressões econômicas afetam a esfera política?
Lequesne -
Sim, o que é uma pena. Os espanhóis sabem que não obterão mais dinheiro do que já recebem hoje. Já os poloneses são mais sujeitos à pressão econômicas dos grandes financiadores.
A evolução da situação dependerá da força representada pelo motor franco-alemão, que, neste momento, sofre ataques dos Estados menores porque ambos os países não conseguiram respeitar o pacto de estabilidade neste ano [os dois tiveram déficit público superior a 3% de seu PIB].
Alemães e franceses sempre defendem o respeito às regras européias e querem dar exemplo aos outros, porém, desta vez, violaram abertamente as regras e não foram devidamente punidos por conta de seu peso político.
Trata-se da hora da verdade. É preciso decidir se a Europa conseguirá funcionar com 25 membros. Se houver um problema estrutural, talvez o bloco venha a ter de adaptar-se à situação. Talvez seja preciso desenvolver novos mecanismos, como a cooperação reforçada entre um grupo de Estados limitados, como a França, a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, Luxemburgo e Portugal.



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