|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Chance de reinventar a democracia
FERNANDO MAYORGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A vitória contundente de Evo
Morales nas eleições gerais constitui um marco histórico. Por um
lado, encerra-se um ciclo de fase
democrática iniciada em 1982, ciclo esse que se caracterizou pela
formação de coalizões governamentais majoritárias por meio de
pactos partidários. Por outro lado, a presença de um líder camponês indígena na Presidência
põe fim a um sistema -formal e
informal- de exclusão política e
social vigente desde a fundação da
República. Como diz um slogan
do organismo eleitoral boliviano,
buscando promover a participação dos cidadãos na eleição:
"Agora a democracia é diferente",
independentemente das características do futuro governo.
Tendo conquistado mais de
50% dos votos nacionais, o MAS
obteve o primeiro lugar em cinco
dos nove departamentos e o segundo lugar nos importantes distritos de Tarija e Santa Cruz, regiões ricas em gás natural. Embora não disponha de maioria em
nenhuma das duas câmaras do
Congresso, o MAS (Movimento
ao Socialismo) é a força mais importante de um sistema partidário renovado que revela o surgimento de duas forças -Podemos, que obteve 31% dos votos, e
UN (Unidade Nacional), que conquistou 8%- e a persistência do
MNR (Movimento Nacionalista
Revolucionário), com 7%. Este último é o único sobrevivente do esquema partidário tradicional.
Antes de examinar as perspectivas da administração comandada
por Morales, é preciso assinalar
que o cenário de polarização política e social que caracterizou a Bolívia nos últimos cinco anos pode
se atenuar, em função da enorme
legitimidade presidencial que
provém das urnas e das coincidências programáticas em torno
dos temas centrais da campanha.
Refiro-me a uma política energética com ênfase na ampliação
do papel do Estado, à realização
da Assembléia Constituinte e à
implementação das autonomias
departamentais, como processo
de reforma do modelo centralizador do Estado.
O panorama pós-eleitoral apresenta três dimensões problemáticas que devem ser enfrentadas pelo novo governo para que se possa
desenhar um novo esquema de
governabilidade democrática.
Trata-se das relações entre o Poder Executivo e o Congresso nacional, dos vínculos entre o governo central e as autoridades regionais e das articulações entre o partido governante e os movimentos
sociais. Essa tríade de relações evidencia um quadro complexo de
atores políticos e sociais que exige
um manejo equilibrado da gestão
política, na medida em que sua
ação se assenta sobre demandas
distintas e, de certa forma, contrapostas. Vejamos quais são essas
três dimensões, começando por
assinalar que os resultados eleitorais reduziram a margem de incerteza e os riscos de uma reencenação automática dos conflitos
dos últimos meses.
Em primeiro lugar, a governabilidade não se concentra nas relações entre os poderes Executivo e
Legislativo, e, em todo caso, não
existem possibilidades certas de
formação de uma coalizão majoritária de oposição ao MAS que se
traduza em um bloqueio legislativo das iniciativas presidenciais. O
que existe, melhor, é a possibilidade de se cumprir a agenda de
reformas em torno da Constituinte e o referendo sobre autonomia
dos departamentos, a partir de
consensos básicos e acordos específicos no âmbito parlamentar.
Em segundo lugar, a modificação dos vínculos entre as regiões e
o Estado, com a existência de autoridades políticas departamentais eleitas nas urnas, não constitui cenário desfavorável, considerando-se que não existe uma corrente política dominante.
Em terceiro lugar, a distribuição
territorial e social do voto a favor
de Evo Morales e as raízes sindicais e comunitárias dessa organização política impedem que, a
curto prazo, as reivindicações de
movimentos sociais mais radicais
em suas propostas constituam
um fator de pressão para o futuro
governo. Nessa medida, a esquerda sindical e extraparlamentar deve confrontar-se com a solidez organizacional do MAS e sua capacidade representativa. Vem daí a
importância da capacidade de
gestão concentrada no presidente, que, por sorte, tem como capital político uma vitória inquestionável e a possibilidade de reinventar a democracia, fortalecendo-a.
O sociólogo Fernando Mayorga é diretor do Centro de Estudos Universitários Superiores da Universidade Pública
Maior de San Simón (Bolívia)
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Eleito diz à TV Al Jazira que Bush é terrorista Próximo Texto: Panorâmica - Israel: Derrame não prejudica popularidade de Sharon Índice
|