São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Para especialistas reunidos em Davos, EUA venceram no Iraque, mas estão perdendo a guerra pelos corações e pelas mentes no mundo

Fórum critica ação americana antiterror

Steffen Schmidt/Keystone/Associated Press
Em Zurique, policiais retiram manifestantes durante protesto contra o Fórum Econômico Mundial


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Os EUA podem ter ganhado a Guerra do Iraque, mas estão perdendo a guerra pelos corações e as mentes de porções substanciais da humanidade. Foi essa a sensação transmitida ontem por especialistas, em debate sobre guerra ao terror, no primeiro dia do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, que reúne, todo janeiro, um milhar de líderes governamentais, empresariais e acadêmicos, em Davos (Suíça).
Até a expressão "mentes e corações", banida do léxico americano após o fiasco no Vietnã, onde se originou, foi ressuscitada por Mahnaz Ispahani, do Council on Foreign Relations, de Nova York, para dizer que "ganhar mentes e corações é parte crítica dessa guerra" (ao terrorismo).
Se é assim, a guerra parece estar sendo de fato perdida.
Jessica Stern, especialista em políticas públicas da John Kennedy School of Government (Harvard), mencionou pesquisas segundo as quais não só cresceu o antiamericanismo como, em certas partes do mundo, "as pessoas confiam mais em Bin Laden do que em Bush", em alusão ao líder da rede terrorista Al Qaeda, Osama bin Laden, e ao presidente americano, George W. Bush.
Na mesma linha foi Kenneth Roth, da Human Rigths Watch, para quem a violação de padrões internacionalmente aceitos durante a guerra ao terror fez de Bush "o recrutador-chefe da Al Qaeda". Roth cita, entre outros aspectos, o tratamento aos prisioneiros feitos no Afeganistão após a invasão americana e recolhidos à base de Guantánamo (Cuba).
Completou Gareth Evans, ex-ministro australiano e agora presidente do International Crisis Group: "O resultado líquido da guerra ao terrorismo está sendo mais guerra e mais terrorismo".
Mais tarde, na abertura do encontro, o presidente do fórum, o professor suíço Klaus Schwab, foi na mesma direção, ao dizer que "os otimistas tiveram poucos motivos para regozijo em 2003".
O tema deste ano, aliás, é precisamente o enlace "parceria/segurança/prosperidade". Schwab elaborou a seguinte equação: "Paz é igual a segurança e prosperidade, mas a prosperidade só pode ser alcançada por meio de parcerias".
No debate matinal, a única exceção foi o trabalhista Ehud Barak, ex-premiê de Israel, para quem "o mundo está melhor" após a queda de Saddam Hussein.
"A foto de Saddam preso deve ter feito pensar Muammar Gaddafi [ditador líbio], o jovem Bashar al Assad [ditador da Síria] e outros", especula Barak.
O debate ficou centrado na impressão de que "a ênfase no aspecto militar e de segurança é parte da solução, mas não é suficiente", como disse Ispahani. Falta encarar também o que Gareth Evans resumiu como "queixas políticas", que incluem a carência de desenvolvimento nos países que fornecem quadros para o terror. "A guerra está tendo um enfoque unidimensional, só de segurança, em vez de assentar-se em um conjunto de valores que derrube a cultura do terrorismo", diz Roth, da Human Rights Watch.
Mas houve também um viés, apontado por Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, que não estava à mesa, mas foi o primeiro a fazer perguntas. "Não se pode transformar a campanha contra o terror em uma guerra contra o islã", reclamou.
Todos, como é politicamente correto, fizeram questão de dizer que não se trata de um combate ao islã, mas o indiano Sundeep Waslekar, presidente do Grupo para Previsões Estratégicas, lembrou que "não viu líderes muçulmanos questionando a ação de grupos que dizem estar defendendo o islã" por meio do terror. Tudo somado, o debate deixou claro que, como disse Gareth Evans, "ninguém pode garantir que não haverá outro 11 de Setembro".


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