São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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IRÃ

Presidente prefere não correr riscos

Khatami evita falar de renuncia de gabinete

ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O presidente do Irã, o clérigo moderado Mohammad Khatami, fugiu ontem de uma pergunta direta sobre a ameaça de renúncia de seu gabinete em protesto contra o veto do Conselho de Guardiães, que zela pelo respeito da Constituição -cujos 12 membros foram apontados por Ali Khamenei, o líder supremo do país-, a mais de 3.000 pedidos de candidatura de reformistas. Estes buscam disputar a eleição legislativa de 20 de fevereiro.
Em concorrida entrevista coletiva em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, Khatami deu toda uma volta para dizer que ele e seus colegas (liberais) têm uma meta: "uma eleição livre e competitiva. O curso dos fatos leva a isso".
O presidente atribuiu a ameaça ao fato de que todos os processos eleitorais "levantam temas sensíveis". Na verdade, é algo mais que isso: se de fato forem vetados os candidatos liberais, o bloco religioso radical passa a controlar também o Parlamento, além do Conselho Supremo da Revolução, anulando as chances de reformas políticas.
Na coletiva, Khatami foi confrontado precisamente com uma comparação entre ele e o ex-presidente russo Mikhail Gorbatchov, que tentava reformas, foi atropelado, e elas só saíram com a ascensão de Bóris Ieltsin, seu sucessor.
"Não creio que seja possível estabelecer um paralelo. Eu sou Khatami e sempre serei Khatami", respondeu.
Depois, engatou uma defesa do modelo iraniano de democracia, dizendo que a história e a cultura do país "são muito influenciadas por valores e princípios religiosos. O islamismo é compatível com o progresso e com a liberdade, o que é levado em conta na presente Constituição". Esta foi aprovada depois da chamada Revolução Islâmica que depôs o xá Reza Pahlevi, em 1979.
Cauteloso em assuntos internos, Khatami foi radical em questões internacionais. Recusou, para começar, o raciocínio do presidente norte-americano, George Walker Bush, que atribuiu à sua própria firmeza o fato de líderes da Líbia e do Irã estarem agora demonstrando moderação e renunciando ao uso de armas de destruição em massa.
"Não aceito o que ele disse. Antes de toda essa fanfarra, o Irã já era membro do TNP [Tratado de Não-Proliferação Nuclear] e de outros convênios que vedam armas de destruição em massa", afirmou.
Completou: "Todo esse ruído [dos Estados Unidos] não teve nenhum impacto em nossas decisões".
Khatami insistiu no direito que o Irã tem de explorar a energia nuclear para fins pacíficos, negou que o país tenha recebido um carregamento de material nuclear da Coréia do Norte e não viu nenhum êxito na política do presidente Bush contra o terrorismo.
"A América, com todo seu poderio, invadiu o Afeganistão, alegando que era para pegar Bin Laden. Onde está Bin Laden? O Iraque foi ocupado porque teria armas de destruição em massa e para implantar a democracia. É muito claro que a opinião pública internacional se sentiu enganada, pois não há armas de destruição em massa no Iraque. Com respeito à democracia, o aiatolá Sistani [Ali al Sistani, um dos principais líderes xiitas iraquianos] pediu eleições diretas. Os ocupantes de opõem a ela." (CR)


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