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AMÉRICA LATINA
Cerimônias de posse de Evo Morales começaram ontem, em ritual religioso com cerca de 50 mil pessoas
Bolívia terá hoje 1º presidente indígena
Alan Marques/Folha Imagem
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Presidente eleito da Bolívia, Evo Morales (dir.), participa de cerimônia indígena de posse, em Tiwanaku, a 70 km da capital do país |
FABIANO MAISONNAVE
PEDRO DIAS LEITE
ENVIADOS ESPECIAIS A TIWANAKU
Numa cerimônia marcada por
rituais indígenas e slogans de esquerda, Evo Morales deu início
ontem aos dois dias de comemorações que marcam a sua chegada
à Presidência da Bolívia. A posse
oficial acontece hoje, em La Paz,
com a presença de 11 chefes de Estado, entre eles o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Ao menos 50 mil pessoas de todas as partes do país chegaram
desde a madrugada às isoladas
ruínas de Tiwanaku (70 km de La
Paz), um importante centro religioso pré-incaico, para assistir à
solenidade espiritual.
Na estrada, centenas de vans,
microônibus e até caminhões
congestionavam o caminho,
adornados com as bandeiras whipalas aimarás, a etnia de Morales,
quadriculadas e coloridas, e do
seu partido, o MAS (Movimento
ao Socialismo).
Embora quase todos os presentes fossem indígenas, os grupos
de áreas rurais se diferenciavam
pelas coloridas roupas típicas,
sempre distintas entre si, enquanto os vindos das cidades usavam
roupas comuns e traziam faixas
de sindicatos. Por todos os lados
ambulantes vendiam comida e
biografias de Morales, a um boliviano (R$ 0,40).
O Exército e a polícia faziam
apenas a coordenação das diversas entradas e do trânsito. Para
controlar a multidão, havia guardas aimarás da região, que, uniformizados com um poncho vermelho, formaram um cordão humano de isolamento, armados de
largos chicotes.
"Esse chicote é para tirar os
maus e deixar apenas os bons",
disse, brincando, Pascoal Quispe,
enquanto mostrava como usá-lo.
Entre as diversas bandeiras empunhadas -havia até uma do
Iraque-, a que mais chamou a
atenção foi a chilena. Algo impensável em outubro de 2003, quando, nos protestos que derrubaram
o presidente Gonzalo Sánchez de
Lozada, manifestantes chegaram
a queimar a bandeira e atacar empresas chilenas.
A Bolívia reclama o acesso ao
mar perdido para o país vizinho
durante um conflito no final do
século 19.
Chegada de Evo
Morales chegou ao local da cerimônia às 13h locais. Apareceu no
alto de um morro à esquerda de
onde a multidão se aglomerava.
Ali, ganhou a bênção da Pachamama (mãe Terra). Estava vestido com um poncho vermelho de
alpaca e trazia à cabeça um "unco", espécie de gorro dourado de
quatro pontas, em alusão às regiões do Estado pré-incaico. Nos
pés, uma sandália de tiras também vermelhas. Ao final, recebeu
uma espécie de cetro, símbolo do
poder recém-adquirido.
Em seguida, desceu até as ruínas. No trajeto, aparentando muita calma, acenou para fotógrafos e
turistas que pediam que olhasse
para suas máquinas e cumprimentou quem estivesse mais próximo. E, do último degrau das escadarias do templo, fez um emocionado discurso de cerca de 20
minutos.
"Hoje começa o novo ano para
os povos originários do mundo.
Uma nova vida que buscamos de
igualdade, justiça. Uma nova era,
um novo milênio para todos os
povos do mundo a partir daqui,
de Tiwanaku, da Bolívia. E só com
a força do povo, com a unidade
do povo, vamos acabar com o Estado colonial e com o modelo
neoliberal", disse Morales, seguido de aplausos e gritos.
Sobre os primeiros passos do
novo governo, Morales disse que
priorizará a convocação da Assembléia Constituinte. "Os povos
originais reclamam refundar a
Bolívia mediante a nova Assembléia Constituinte. Até o final de
março deve ser aprovada a lei
convocatória da nova assembléia", prometeu.
Ausência
A ausência mais sentida foi a do
líder cubano, Fidel Castro, que
não sai de seu país há vários meses. Apesar da falta do ditador,
Morales citou em seu discurso o
companheiro mais famoso de Fidel e disse que vai retomar "a luta
do Che", em referência a Ernesto
Che Guevara, morto justamente
na Bolívia, em 1967.
Depois de encerrado o discurso,
Morales recebeu presentes de representantes indígenas de vários
países latino-americanos -o
Brasil foi um dos poucos países
que não enviaram ninguém.
O tempo instável só apresentou
sol forte durante a presença de
Morales. Antes, uma chuva fina e
fria castigou a multidão. Depois,
uma forte tempestade de granizo
desabou sobre Tiwanaku.
Morales conquistou a Presidência ainda no primeiro turno, em
18 de dezembro, quando conseguiu 53,7% dos votos válidos. Foi
o primeiro candidato a ganhar
sem a necessidade de um segundo
turno desde a redemocratização,
no início dos anos 1980. O mandato presidencial na Bolívia é de
cinco anos, sem reeleição.
Números recordes
A expectativa em torno da posse
tem sido considerada sem precedentes na Bolívia. Hoje, as autoridades esperam 200 mil pessoas na
histórica praça San Francisco.
Outro recorde, segundo a Chancelaria, é o número de chefes de
Estado -o máximo havia sido
apenas cinco, contra os 11 que
confirmaram presença.
Além de Lula, confirmaram a
presença Néstor Kirchner (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela) e Ricardo Lagos (Chile). Mesmo com a participação sempre
histriônica de Chávez e a poucas
semanas de deixar a Presidência,
Lagos é quem tem mais causado
expectativa entre os bolivianos
-é a primeira vez que um presidente chileno comparece à posse
de um colega boliviano desde a
ruptura das relações diplomáticas, em 1979.
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