São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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AMÉRICAS

Citgo, subsidiária americana da estatal petrolífera venezuelana PDVSA, sofre efeitos da rixa entre Caracas e Washington

Petrolífera pode ter virado joguete de Chávez

DAVID J. LYNCH
DO "USA TODAY", EM HOUSTON

Desde seu edifício envidraçado e gramado perfeito até o guarda de segurança que recebe os visitantes falando com simpático sotaque texano, tudo na empresa Citgo Petroleum parece comum.
Na realidade, porém, não existe nada de comum na Citgo. Uma das maiores refinarias dos EUA, ela é subsidiária da estatal petrolífera venezuelana Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA). Como tal, em última análise, pertence ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, líder declaradamente antiamericano, que conta o ditador Fidel Castro entre seus amigos.
A questão da influência de Chávez sobre a Citgo ganhou destaque com o recente fornecimento pela empresa de óleo de aquecimento a pessoas pobres do nordeste dos EUA, a preços subsidiados. Mais de 100 mil famílias devem beneficiar-se da ajuda.
Mas alguns setores temem que o fato de a Venezuela ser proprietária de mais de 6% da capacidade norte-americana de refino de petróleo confere a Chávez o poder não apenas de reconfortar mas também de aleijar.
Como bem demonstraram os furacões Katrina e Rita, qualquer perturbação sofrida pelo setor de refino nacional resulta em aumento do preço da gasolina. O que aconteceria se Chávez, que periodicamente ameaça reduzir suas vendas de petróleo aos EUA, fechasse as refinarias da Citgo?
"Ele só teria que fazê-lo por 90 dias para destruir nossa economia", se preocupa Matthew Simmons, um importante banqueiro de investimentos no setor energético. "Ele detém o controle de fato de nosso meio de vida."
Outros observam que petróleo importado de outras fontes poderia acabar compensando qualquer possível interrupção do fornecimento da Citgo. E, como Chávez depende das refinarias especializadas da empresa para processar o óleo cru venezuelano, um fechamento da empresa custaria muito caro a ele e a seu país.
No final do ano passado, quando a primeira onda de frio do inverno levou os consumidores a acionar seus termostatos, 12 senadores americanos pediram a dez grandes companhias petrolíferas que doassem uma parcela de seus lucros recordes em benefício dos pobres. Apenas a Citgo reagiu, enviando caminhões-tanque para conjuntos habitacionais de Nova York, Massachusetts e Maine.
Muitos analistas, porém, viram a iniciativa como manobra política de Chávez, que visava causar constrangimento ao governo dos EUA. E alguns dizem que a generosidade da Citgo, que provavelmente custará à empresa mais de US$ 20 milhões, sugere que a empresa pode estar sendo transformada num joguete de Chávez.
Executivos da Citgo dizem que a empresa tem lucros sólidos e condições financeiras de auxiliar a população carente, oferecendo descontos de 40% sobre o óleo de aquecimento. Felix Rodriguez, presidente da empresa, disse que Chávez ordenou a doação por temer que americanos de baixa renda fossem forçados a optar entre alimentação ou aquecimento.
"A diferença entre a Citgo e outras empresas é que a Citgo tem apenas um acionista", disse ele, referindo-se a Chávez.
No entanto existem ecos da atuação recente da Citgo em fatos ocorridos em outras partes da indústria petrolífera venezuelana desde a eleição de Chávez, em 1998. Após um golpe que o afastou do poder por pouco tempo em 2002, Chávez retaliou, promovendo um expurgo na empresa petrolífera do Estado. Milhares de executivos e engenheiros veteranos foram demitidos, sendo substituídos por outros que se alinhavam politicamente com as metas revolucionárias do presidente.

Política externa anti-EUA
Luis Giusti, que deixou a presidência da companhia petrolífera nacional quando Chávez tomou posse, diz que a produção petrolífera da PDVSA caiu de 3,3 milhões de barris por dia em 1999 para 1,5 milhão hoje. Apesar disso, graças aos preços superiores a US$ 60 por barril vigentes hoje, o controle exercido por Chávez sobre a PDVSA lhe permitiu gastar bilhões de dólares em projetos sociais e na promoção de sua política externa antiamericana.
A Citgo, que vende gasolina através de mais de 13.500 postos de combustível, pagou ao governo venezuelano US$ 697 milhões em dividendos em 2005.
A PDVSA comprou 50% da Citgo em 1986. Em 1990, os venezuelanos adquiriram a outra metade da empresa da Southland Corporation. As seis refinarias da Citgo são idealmente adequadas para refinar o pesado e sulfuroso petróleo cru da Venezuela.
Ao longo da década de 1990 as autoridades petrolíferas venezuelanas concederam um enorme grau de autonomia aos administradores americanos da empresa.
Essa situação mudou sob o governo Chávez. Em outubro de 2000, ele aumentou seu controle sobre a Citgo, nomeando um ex-general do Exército, Oswaldo Contreras, para sua presidência.
Bush foi eleito presidente dos EUA no mês seguinte, mas as relações entre EUA e Venezuela só azedaram definitivamente depois do 11 de Setembro, quando Chávez comparou a guerra travada pelos EUA no Afeganistão aos ataques terroristas em Nova York. Mais tarde, Washington saudou publicamente o golpe que derrubou Chávez por dois dias em 2002. Chávez acusa Washington de planejar seu assassinato.
Indagado sobre como o atrito bilateral persistente vem afetando a Citgo, Rodriguez respondeu: "Não tem efeito nenhum. Nada". Mas Jerry Thompson, o americano mais altamente situado na empresa, admitiu que os clientes da Citgo estão preocupados.

Sede nova
O clima de incerteza foi exacerbado durante boa parte de 2005 pela prolongada e cara mudança da sede da empresa, mudanças em seu alto escalão e as repetidas sugestões de autoridades venezuelanas de que a Citgo poderia ser vendida, inteira ou em parte.
Após passar décadas sediada em Tulsa, Oklahoma, a Citgo concluiu uma transferência para sua nova sede no coração do "corredor energético" de Houston.
A mudança também custou à empresa vários gerentes, que optaram por não deixar a cidade onde viviam havia anos, o que levou vários executivos americanos e o conselho de direção a serem substituídos por venezuelanos.
Giusti diz que a equipe de direção atual, venezuelana, é fraca e foi instalada com base em sua lealdade política a Chávez. Ele criticou o presidente, Rodriguez, dizendo que lhe falta experiência internacional e fluência no inglês.
Rodriguez chamou a atenção para o fato de ser engenheiro petrolífero com 32 anos de experiência. Ele disse que já ocupou vários cargos de supervisão, viajou aos campos petrolíferos do mar do Norte em "missões especiais" e foi vice-presidente da PDVSA.
O ministro da Energia venezuelano afirmou estar discutindo a venda de toda a Citgo ou de parte dela. Mas Rodriguez disse que não existem planos de venda e que a relação comercial continua a ser benéfica para todos.


Tradução de Clara Allain


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