São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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TRANSIÇÃO

Para jornalista e ex-líder estudantil iraniana, regime islâmico cairá logo

Exilada vê "Renascimento" no Irã

Reprodução
A ex-líder estudantil iraniana Susan Akbarpour, na Califórnia


MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O regime islâmico está com os dias contados no Irã, na opinião de uma pioneira da "geração das reformas" -a ex-líder estudantil Susan Akbarpour. "A crise atual mostra que o regime islâmico não poderá durar muito mais tempo. O Estado e a religião nunca formaram uma aliança frutífera", disse Akbarpour à Folha.
Para ela, "o islã, como as outras religiões do Irã, continuará a existir, mas ele não poderá controlar o comportamento das pessoas". "O que vemos hoje tem o mesmo valor para o Irã que o Renascimento teve para a Europa", diz Akbarpour, aludindo ao movimento dos séculos 15 e 16 que, para seus protagonistas, superou a "estagnação" intelectual, artística e científica da Idade Média.
Leia a seguir trechos da entrevista dada por Akbarpour, que vive nos EUA desde 1997.
 

Folha - Como a sra. analisa o confronto atual entre conservadores e reformistas no Irã?
Susan Akbarpour -
Vejo a situação atual como um conflito entre dois grupos que ainda buscam encontrar uma plataforma política correta um quarto de século depois da revolução.
Essa plataforma, que ainda é desconhecida, poderá tornar-se o primeiro passo na busca por um modo democrático de tomar o poder das mãos dos clérigos. Há muitos conflitos do gênero na história de vários países que são democráticos hoje.
Esses dois grupos, como os democratas e os republicanos nos EUA, deveriam perceber que as pessoas preferem plataformas construtivas. Pode haver percalços, mas o caminho está sendo traçado. Ambos os grupos têm objetivos corretos e errôneos, porém deveria caber ao eleitorado iraniano julgá-los.

Folha - Trata-se do início do fim do regime islâmico?
Akbarpour -
A crise atual mostra que o regime islâmico não poderá durar muito mais tempo. O Estado e a religião nunca formaram uma aliança frutífera. O islã, como as outras religiões do Irã, continuará a existir, contudo ele não poderá controlar o comportamento das pessoas. O que vemos hoje tem o mesmo valor para o Irã que o Renascimento teve para a Europa.

Folha - Por que os estudantes não têm um papel mais ativo?
Akbarpour -
Como deixei o Irã há sete anos, não posso falar ao certo. Todavia creio que a nova geração de estudantes, como seus colegas do mundo inteiro, esteja mais preocupada com suas próprias necessidades do que com a evolução da política.
Vale lembrar que os estudantes que se sublevaram há alguns anos já estão formados. Várias formas de liberdade individual, como o direito de ir a um concerto ou a uma festa, já foram quase totalmente conquistadas. O peso de pensar em política continua nas costas da geração anterior de estudantes.

Folha - Como foi seu tempo como líder estudantil no Irã?
Akbarpour -
Na década de 90, eu era uma jovem que buscava respostas para milhões de questões na minha cabeça.
Eu deveria permanecer no Irã, como fez meu pai [cuja revista "Melat" foi banida após a revolução], para acabar morrendo aos 44 anos? Ou deveria pôr o véu em minha cabeça pela primeira vez na vida, agindo contra meus próprios valores? Ou ainda deveria deixar que pessoas que não tinham nem metade de meu conhecimento tomassem conta da mídia, sendo pagos por textos sem nenhum significado?
É muito difícil explicar aos clérigos que nós, iranianos de mente aberta e educados, não queremos afastá-los de nosso círculo social, como ocorreu durante cada grande movimento social nos 3.000 anos de nossa civilização. É difícil mostrar-lhes que, se eles fossem mais tolerantes, haveria lugar para todos em nossa sociedade.
Só encontrei as respostas que procurava quando, de véu na cabeça, tentei pensar de modo diferente e fazer com que meus chefes, todos religiosos, entendessem por que eu era diferente. Com isso, também percebi que eles tinham o direito de pensar de outra forma. Assim, nasceu o movimento reformista no Irã, e nós nos tornamos a chamada "geração das reformas".


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