São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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VISÃO PALESTINA

Estado palestino fica inviável, diz professor

DA REDAÇÃO

Israel tem o direito de defender seus cidadãos, mas a barreira israelense, tal como foi projetada, expressa o compromisso do governo Sharon de impedir a criação de um Estado palestino viável.
É a opinião do palestino Said Zeedani, 54, diretor-geral da Comissão Independente Palestina para os Direitos dos Cidadãos.
"Para os palestinos, a barreira é mais política do que de segurança", diz Zeedani, professor licenciado de filosofia da Universidade Al Quds, em Jerusalém oriental (árabe). Leia trechos de entrevista por telefone, de Ramallah. (OD)
 

Folha - Israel tem a obrigação de proteger seus cidadãos de ataques terroristas. Qual é a sua opinião sobre a barreira que o país ergue para se proteger dos homens-bomba?
Said Zeedani -
Ninguém nega o direito de um Estado de proteger seus cidadãos. Mas há o problema da rota da cerca, que envelopa a Cisjordânia e anexa parte de nosso território. Outra coisa: não há um acordo definitivo sobre onde é a fronteira israelo-palestina. Ao construir o muro unilateralmente, Israel define algo que não está definido. E há o efeito negativo sobre os direitos dos palestinos.

Folha - Dê um exemplo.
Zeedani -
A cidade de Qalqilya ficará completamente cercada, e os 60 mil habitantes terão portões para entrar e sair. Será uma grande prisão. Mais de 12 mil palestinos moram a oeste da barreira, do lado israelense, entre o muro e a fronteira antes da guerra de 1967. Não poderão ir para Israel, a oeste, nem para a Cisjordânia, a leste, sem permissão especial. Houve um confisco de terra, redes de imigração foram destruídas, árvores de cultivo e plantações.
O governo Sharon tenta combinar a segurança a um elemento ideológico. Ao definir a rota do muro, expressa seu compromisso de impedir a criação de um Estado palestino viável, geograficamente contíguo, com sua capital em Jerusalém oriental. Para os palestinos, a barreira é mais política do que de segurança.

Folha - Os terroristas suicidas prejudicam a causa palestina?
Zeedani -
Sou diretor de uma entidade de direitos humanos. Acreditamos que civis nunca devam ser alvo num conflito. Entretanto pessoas de outros países não compreendem exatamente nossa situação. Veja bem: não quero justificar, mas apenas explicar as coisas. O terrorismo, não apenas na Palestina, é, em geral, a arma da parte mais fraca. Israel é o Exército mais forte da região.
Você sabe o que significa estar sob ocupação? Toda a sua vida é controlada: seu trabalho, seus movimentos, suas necessidades básicas, suas relações familiares.
Quando você é a parte fraca, e está sujeito a uma ocupação extremamente prolongada, quando o inimigo diz que sua terra pertence a ele, quando existe um processo de paz que após sete ou oito anos não trouxe os resultados esperados, sem falar do desemprego, da falta de oportunidades, tudo se soma para criar um tal nível de frustração e de ressentimento que acaba desembocando em todos os tipos de atos irracionais de resistência. A única saída é dar esperança às pessoas. Por isso, o processo de paz é tão vital.

Folha - A ANP deveria atuar com mais energia para recuperar o controle sobre o processo de paz?
Zeedani -
Antes do início da Intifada, a ANP foi relativamente exitosa em impedir a atuação de grupos terroristas. Mas, com a explosão da revolta palestina, eles perderam parte dessa capacidade e do apoio moral para enfrentar essas pessoas. As pessoas dizem "nós estamos dando a nossa vida por nossa causa, enquanto vocês, as lideranças políticas, falharam".
Na primeira fase da Intifada, e acho importante reconhecer isso, pouco foi feito para impedir ataques terroristas. Mas, posteriormente, os líderes já não tinham capacidade real e política para agir devido à reocupação da Palestina. Os israelenses estão em todo lugar e, se eles não conseguem controlar os terroristas, como a ANP pode fazer isso?
Folha - Com o processo de paz bloqueado, Israel, sob o governo Sharon, parece estar caminhando para uma solução unilateral. A barreira é parte disso. O possível desmantelamento de assentamentos em Gaza é outro. Mas, se não houver negociação, os palestinos certamente perderão, pois Israel é mais forte.
Zeedani -
Toda a Cisjordânia e a faixa de Gaza estão ocupadas. O que mais podemos perder? É preciso compreender que não é possível derrotar os palestinos. Não é possível derrotar um povo que está lutando por sua independência e por seu Estado. Pode-se derrotar um Exército, um regime, um grupo de militantes, mas não toda uma população determinada a ser independente.
Não há outra saída a não ser dividir a terra de forma mais justa possível e ver como os dois povos podem viver lado a lado como bons vizinhos, em cooperação, sem vencedores ou perdedores.
Os israelenses também estão aprendendo algo com esta Intifada. Não é possível derrotar os palestinos pela força bruta. Não há soluções unilaterais. O único jeito de superar o conflito é com um acordo político amplo.


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