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Discurso só tem
efeito doméstico,
afirma analista
DE BUENOS AIRES
Ao explorar a questão da dívida, o presidente argentino,
Néstor Kirchner, está aproveitando uma grande oportunidade midiática para consolidar
sua liderança política, além de
tirar o foco de outras questões
para as quais não tem resposta.
A avaliação é do cientista político argentino Sergio Berensztein, da Universidade Torcuato
di Tella. A seguir, trechos de
sua entrevista à Folha.
(CV)
Folha - Quais são os principais
riscos políticos que Kirchner corre ao propor a questão da dívida
como uma causa nacional?
Sergio Berensztein - Há riscos
limitados. Na verdade, isso é
indiferente frente à negociação
[com os credores]. Por outro
lado, gera capital político doméstico porque lhe permite seguir aparecendo nos meios de
comunicação com uma questão que é popular. E também
lhe permite ganhar apoio interno do Partido Justicialista [peronista], porque fazer disso
uma questão nacional não deixa espaço para matizes.
É uma maneira de fortalecer
sua Presidência e de tirar o foco
de outros líderes, sobretudo os
provinciais ou os vinculados às
velhas clivagens do PJ, como o
menemismo, o duhaldismo
[dos ex-presidentes Carlos Menem (1989-99) e Eduardo Duhalde (2002-03)]. Ninguém fala
mais deles. Do ponto de vista
da comunicação, a questão da
dívida constitui uma enorme
oportunidade que o presidente
está de fato aproveitando.
Folha - O sr. crê que essa estratégia inviabilize a oposição?
Berensztein - Não há oposição. A oposição está muito desagregada, muito debilitada, e
isso a torna ainda menos palpável, eficaz, visível.
A esquerda e o centro-esquerda, que sempre foram
opositores do peronismo, perderam visibilidade em dois aspectos: o dos direitos humanos, em que o presidente fez
um enorme esforço para deslocar outros partidos; e o da dívida, que sempre foi uma reivindicação dessas forças.
O que resta são as forças de
direita, que estão fragmentadas
e que não podem se separar das
políticas implementadas por
Carlos Menem na década de
90. Esses setores mais ortodoxos não têm um espaço que
lhes permita dar ressonância a
seu discurso.
Dessa forma, o presidente
continuará falando da dívida
tanto quanto possa. E, ao falar
da dívida, não fala de outras
coisas, e isso, em política, é
muito importante, porque assim ele mantém controle sobre
a agenda.
Folha - De que outras coisas
Kirchner não fala?
Berensztein - Não fala das
questões institucionais, das reformas de Estado, não diz como vai melhorar a gestão da
coisa pública, a saúde, a educação, a segurança, que são temas
que implicam naturalmente
um esforço enorme do ponto
de vista de gerenciamento e de
planejamento estratégico.
Falando da dívida, em parte
ele vai ganhando tempo, se é
que alguém efetivamente está
pensando em como fazer as
outras coisas.
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