São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / REPUBLICANOS NA MIRA

McCain nega ter favorecido suposta amante

Reportagem do "New York Times" diz que pré-candidato ajudou lobista com quem teria tido caso e abre guerra entre jornal e senador

Texto, que a direita vê como "anedotário" e a esquerda diz ter sido adiado demais, questiona laços do favorito republicano com os lobbies

DA REDAÇÃO

Favorito para ser o candidato à Presidência dos EUA pelo Partido Republicano, John McCain se viu sob os holofotes ontem, obrigado a responder a uma reportagem do "New York Times" afirmando que ele favoreceu uma lobista com quem possivelmente teve um caso nos anos 90. Sua campanha prometeu "guerra" ao jornal.
Com isso, a mídia americana mudou o foco da cobertura eleitoral bruscamente, após semanas centrada na disputa entre os democratas, da oposição para a situação e para seu próprio umbigo, dando início a uma discussão sobre o momento de publicação do texto.
A mulher citada, Vicki Iseman, 40, faz lobby para o setor de telecomunicações. Embora a atividade seja legal e regulamentada nos EUA, a reportagem elenca iniciativas do senador -como pedir em cartas à agência regulatória das comunicações decisão permitindo ao mesmo grupo deter mais de um canal na mesma cidade- que teriam favorecido clientes de sua amiga. (McCain admite a amizade, mas nega o caso).
Segundo o "Times", o republicano -que negou solicitações de entrevista- telefonou ao editor-executivo do jornal, Bill Keller, para reclamar dos pedidos e negar que tenha favorecido a lobista ou tido um caso.
"Uma lobista estava aparecendo ao lado dele em eventos de arrecadação, visitando seus gabinetes e o acompanhando em jatinhos de empresas que ela representava", diz a reportagem, assinada por quatro jornalistas e posta já na noite de anteontem no site do jornal.
"Convencidos de que a relação havia se tornado romântica, alguns de seus principais assessores intervieram para proteger o candidato dele mesmo -orientando membros de sua equipe a barrar a mulher, alertando-a para que se afastasse e confrontando-o repetidas vezes, disseram várias pessoas envolvidas na campanha sob condição de anonimato."

Ligações perigosas
A campanha do republicano foi veemente: "É uma vergonha que o "New York Times" tenha rebaixado seus padrões para participar de uma campanha difamatória de ataque seguido de fuga. John McCain tem um histórico de 24 anos de serviço honrado e íntegro ao nosso país. Ele nunca violou a confiança pública, nunca prestou favores a interesses especiais nem a lobistas e não permitirá que uma campanha difamatória tire sua atenção das questões em jogo nesta eleição".
Mais tarde, o próprio senador de 71 anos viria a público ao lado da mulher, Cindy, negar os fatos descritos no longo texto. "Estou desapontado com a reportagem do "New York Times". Isso não é verdade", declarou em Ohio, que terá prévias no próximo dia 4. Cindy McCain afirmou que o marido é "um homem de grande caráter".
O cunho da reportagem, entretanto, não é a fidelidade conjugal de McCain, e sim sua relação com os lobbies -o senador se apresenta como uma espécie de paladino contra os interesses corporativos e é co-autor de uma das leis mais importantes da política recente americana, a que acabou com o "softmoney" (doações camufladas de campanha, ilimitadas, das empresas e sindicatos ao partido).
Para o jornal, McCain "confia demais em sua capacidade de separar amizades pessoais com ligações comprometedoras".
O texto lembra um escândalo do fim dos anos 80 e começo dos 90 que culminou no fim da carreira de três senadores e numa advertência a McCain por "avaliar mal" a situação. Com quatro colegas, ele passara anos defendendo no Senado, com ações contra a regulamentação, o milionário do setor imobiliário Charles Keating, que o ajudara no início de sua carreira e que acabaria preso após o colapso de um fundo de crédito que causou aos cofres públicos prejuízo de US$ 3,4 bilhões.
Ontem, sites noticiosos e blogs políticos questionavam o momento da publicação da reportagem e em que ponto os fatos se tornaram suficientes e concretos. A imprensa à direita os vê como "especulações e anedotas", e a mais à esquerda critica a demora -o trabalho de apuração começou ao menos em dezembro, consta no texto.

Decisão editorial
"Publicamos as reportagens quando elas estão prontas", disse Bill Keller, acrescentando que a versão final lhe fora entregue na terça-feira. "Houve um longo tempo de preparo."
A reportagem em questão faz parte da série "The Long Run", na qual o jornal foca o passado dos principais pré-candidatos à Presidência. Com Hillary Clinton, falou de sua defesa dos direitos civis. Com Barack Obama, lembrou que ele consumira drogas quando mais jovem, mas em tom condescendente.
O texto sobre McCain é o cruzamento de seu histórico no Senado com entrevistas de gente que trabalhou na primeira campanha do senador pela candidatura presidencial republicana, em 2000, e na atual campanha -estes, majoritariamente falando sob anonimato.
O "Times" declarara em editoriais seu apoio a Hillary para ser a candidata democrata e a McCain para ser o republicano.
O senador lidera a corrida republicana, com 870 votos na convenção partidária, dos 1.191 necessários para se tornar candidato. Seu rival rival mais próximo, Mike Huckabee, 214 votos, disse que o adversário era "um homem decente e honrado". "Ele negou que [o texto] seja verdade, e eu aceito sua palavra", disse, segundo a CNN.
O comentarista conservador William Bennett disse na rede de TV que é possível que a reportagem acabe beneficiando a candidatura do senador, visto com ressalvas pela ala ultraconservadora por suas posições mais moderadas. A seu ver, o furor causado na direita pode levá-la a se unir em torno de McCain contra a imprensa "liberal" (mais à esquerda).
"Agora nós vamos para a guerra contra eles [o jornal]", disse Charlie Black, um dos principais assessores do candidato, ao site "Politico". "Vamos ver se isso ajuda ou atrapalha."


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