São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA AHMED MAHER

Revolucionário virtual

(...) Em vez de correr o risco de sermos presos de novo, decidimos criar blogs (...) Quando houve a revolução tunisiana, sabia que o movimento subiria para outro patamar (...) Meu principal conselho é: não deem ouvidos aos mais velhos

RESUMO - Numa revolução sem paternidade definida, o egípcio Ahmer Maher, 30, pode ser considerado um dos principais estrategistas do movimento que depôs o ditador Hosni Mubarak. Em 2008, ele abriu uma página no Facebook de apoio a uma greve na cidade industrial de Mahalla, lançando a rede social como arma de mobilização. Foi a origem do Movimento 6 de Abril, que se tornaria um dos mais ativos da revolução.

(...) Depoimento a
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO

Comecei a organizar manifestações por liberdade em 2005, de forma independente. Juntava alguns amigos, preparava uns cartazes e ia para a rua protestar.
Se você me perguntar qual era o objetivo eu digo: já naquela época o que nós queríamos não eram algumas reformas. Era derrubar o regime. E eu sabia que isso ia acontecer. Só não imaginava que seria tudo tão rápido.
Já com a experiência de protestos, entrei para o movimento Kefaya [em português, basta], de oposição à reeleição de Hosni Mubarak. Depois criamos nosso grupo, Jovens para a Mudança.
Mas ele não durou muito. Todos os membros foram presos por atividade ilegal. Fiquei dois meses na cadeia, sendo interrogado, mas sem violência. Até então eu não havia sofrido na pele a brutalidade da polícia. Essa seria apenas a primeira de minhas quatro prisões.
Muitos continuaram presos e isso significou a morte do grupo. Concluímos que era hora de uma mudança de estratégia.
Em vez de ficar nas ruas, correndo o risco de sermos presos de novo, decidimos que todos criariam blogs para contar o que estava acontecendo no país e mobilizar mais jovens.
A guerra virou digital. Em 2008 eu e uma amiga criamos uma página no Facebook para apoiar a greve dos trabalhadores da cidade industrial de Mahalla. Em apenas cinco dias a página tinha mais de 80 mil membros.
Estava criado o Movimento 6 de Abril, que seria um dos organizadores dos protestos na praça Tahrir. Fomos os primeiros a usar o Facebook para mobilizar um movimento político. Até o Mark Zuckerberg [criador do Facebook] reconhece isso.
A greve acabou em confronto com a polícia em Mahalla e minha situação piorou. Eu vivia correndo da polícia. Um dia me cercaram quando eu dirigia, no Cairo. Fui levado a uma cadeia e torturado por dois dias.
Com a cabeça coberta por um capuz, fiquei pendurado pelas mãos por horas. Apanhei muito. Enquanto gritavam insultos, diziam que aquilo era só o começo.
Quando terminou, veio um policial educado e me perguntou quem havia feito aquilo comigo. Me disse que eu poderia ser líder de um partido se quisesse. Bastava colaborar com a polícia e avisá-los toda vez que houvesse alguma atividade.
Quando saí da prisão, comecei a me interessar por outros movimentos revolucionários. Aprendemos as táticas do Otpor!, movimento sérvio que derrubou o regime de Slobodan Milosevic e que depois também seriam usadas na Geórgia e Ucrânia.
Também lemos "Da Ditadura à Democracia", do americano Gene Sharp, e outras obras que tratam de resistência não violenta. Enquanto isso, seguia viajando pelo país, tentando convocar mais adeptos ao movimento pela democracia.
Para o resto do mundo pode parecer que a revolução aconteceu de repente, mas esse é um movimento que já dura anos.
O Wael Ghonim [executivo do Google que participou de protestos] é meu amigo, mas discordo quando ele diz que essa é a revolução do Facebook. Ele entende de tecnologia, mas não de política. A internet é só uma ferramenta. O que fez a revolução foi a vontade de mudar e a disposição em fazer sacrifícios.

EXPLOSÃO
Quando houve a revolução na Tunísia, sabia que nosso movimento subiria para outro patamar. Convocamos o protesto para 25 de janeiro, Dia da Polícia, para marcar a raiva pela brutalidade policial.
Pensávamos que viriam uns poucos milhares, apareceram 100 mil, só no Cairo. A revolução estava madura, só faltava uma gota a mais de querosene para fazer tudo explodir. E essa gota foi a violência da polícia contra os manifestantes.
Estamos em contato com jovens de outros países árabes. Damos dicas, como usar lenços com cebola e vinagre contra o gás lacrimogêneo.
Mas meu principal conselho a eles é: não deem ouvidos aos mais velhos. Eles dirão que é impossível.


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