São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

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ONDA DE REVOLTAS

"Região vive efeito dominó", afirma líder da Liga Árabe

Amr Moussa, secretário-geral da entidade, surge como um dos nomes para ser o próximo presidente egípcio

Chanceler de Mubarak por 10 anos, Moussa diz que região vive caminho sem volta à democracia e tece elogios ao Brasil

DO ENVIADO AO CAIRO

Das manifestações na praça Tahrir aos debates sobre o Egito pós-Hosni Mubarak, o nome do secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, tem se destacado como alternativa para ser próximo presidente do país. Moussa ainda não anunciou candidatura, mas já deixou claro que pretende entrar na corrida presidencial assim que concluir seus dez anos no cargo, em abril.
Embora tenha sido chanceler de Mubarak também por dez anos (1991-2001), Moussa, 74, é visto por muitos, inclusive parcela dos jovens manifestantes, como o homem certo para conduzir o Egito a uma nova era.
Em entrevista à Folha na sede da Liga Árabe, que fica exatamente na praça Tahrir, epicentro das manifestações contra Mubarak, Moussa afirmou que o Oriente Médio entrou num caminho sem volta rumo à democracia.
"A região vive efeito dominó e jamais será a mesma", vaticinou o secretário-geral.
(MARCELO NINIO)

 


Folha - Para onde caminha a revolta no mundo árabe?
Amr Moussa -
O mundo árabe já é outro depois das revoluções na Tunísia e no Egito. Ventos de mudança estão varrendo a região. A influência dessas revoluções, especialmente a egípcia, terá um impacto em todo o Oriente Médio. Está nascendo novo mundo árabe.

Por que a democratização nunca fez parte da agenda da Liga Árabe?
O tema esteve na agenda e pequenos passos foram dados, mas muito superficiais. O problema é que a democracia promovida por certos países ocidentais e que foi implementada por alguns países árabes era superficial. Agora é o momento para uma democracia real.

Qual tem sido sua mensagem aos regimes sob pressão?
Que evitem o derramamento de sangue e ouçam a população. Também peço aos manifestantes que não usem violência. Não podemos ver o que está acontecendo nos diferentes países como simples réplicas.
Cada população tem seus desejos e cada país, suas peculiaridades. Mas é fato que a região vive um efeito dominó e jamais será mais a mesma. Mas mesmo um efeito dominó pode levar tempo.

Por que o projeto do governo de George W. Bush, de estimular a democracia na região, não deu certo?
Essa era a democracia superficial. E o melhor exemplo é o que aconteceu com os pobres palestinos. Em 2006, atendendo a apelos, eles realizaram eleições transparentes e o [grupo islâmico] Hamas venceu. Mas [os norte-americanos] não aceitaram, porque queriam uma democracia com resultados ao seu gosto. E isso é uma forma risível de democracia.

No ano passado o sr. disse que apoiava um novo mandato presidencial para Mubarak. A queda rápida do ditador o surpreendeu?
Eu não apoiei sua reeleição. O que eu disse é que a lei permitia que Mubarak se candidatasse e que eu não concorreria contra ele sob a antiga Constituição. Mas eu também alertei que a situação era muito grave.

O sr. confia na junta militar para conduzir uma transição democrática no Egito?
Acho que todos no Egito, inclusive os militares, sabem ser impossível voltar ao status quo anterior a 25 de janeiro. Este é o espírito e eu acredito que o Egito está se movendo numa nova direção.

O sr. será candidato a presidente?
Tenho ideias e uma visão para o Egito. Mas antes que eu tome a decisão é preciso que a nova Constituição estabeleça as regras para a eleição. A decisão virá em breve.

O que o sr. mudaria na relação com Israel?
Temos compromissos, temos acordos e eles terão de ser respeitados. Minha posição em relação ao conflito árabe-israelense é baseada na iniciativa árabe de Beirute, não há mudança nisso.
Mas não podemos ser cúmplices em sabotagens na paz. Paz é uma coisa, submissão é outra. Nós queremos a paz, não submissão.

Como o sr. vê a preocupação de que a queda de Mubarak levará a Irmandade Muçulmana a tentar instalar um governo islâmico no Egito?
A Irmandade Muçulmana não sentou no banco do motorista nessa revolução.
Mas eles tiveram sua parte nela e é absolutamente normal que sejam chamados a participar da vida política. [Mas] numa democracia, não para minar a democracia.

Qual foi o principal combustível dessa revolução?
Quem se revoltou e se reuniu não foram os famintos ou muito pobres, foi a classe média. Portanto a principal meta foi a liberdade. A fome por mudança e por um futuro.

Como o sr. vê a diplomacia brasileira nos últimos anos, de se aproximar do mundo árabe sem pronunciar-se sobre a falta de democracia?
O presidente Lula fez bem em estender a mão ao mundo árabe sem esperar que todos os países se tornassem democracias. Um de seus projetos mais bem-sucedidos foi a ideia da cúpula de países árabes e sul-americanos. Ela criou uma janela para que os árabes conhecessem melhor os sul-americanos. Há como promover a democracia sem ofender o seu interlocutor.


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