São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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ATENTADOS EM MADRI

Antes bem-aceitos, imigrantes que vivem na capital espanhola começam a se sentir discriminados

Desconfiança mina relação de islâmicos com espanhóis

Pedro Armestre-18.mar.2004/AP
Homem caminha por rua de Lavapiés, bairro árabe de Madri


JULIO GOMES FILHO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM MADRI

"Um dia desses, entrei em um bar qualquer, aqui perto da minha casa, e algumas pessoas começaram a gritar: "Al Qaeda, Al Qaeda". Acabei saindo para não criar mais confusão. Depois disso, fui a uma lanchonete, e o garçom nem olhava direito para a minha cara, só para a minha mochila."
O relato é de Reduan Elhassani, 28, nascido em Marrocos e que vive em Madri há sete anos. Segundo ele, é notável a diferença de comportamento da população espanhola em relação à comunidade árabe após os atentados terroristas do dia 11 de março.
"Os imigrantes muçulmanos estão sofrendo demais e até comendo menos. Todos trabalham o dia todo e levam sua refeição dentro de uma mochila. Mas todo mundo olha torto, todo mundo desconfia... Sei de várias pessoas que passam o dia sem botar nada na boca só para não andar com a mochila por aí", conta Elhassani.
A reportagem da Folha esteve na noite de sexta-feira no bairro de Lavapiés, reduto da comunidade árabe em Madri. Ali fica, por exemplo, a loja de serviços telefônicos de Jamal Zougam, um dos três marroquinos com prisão decretada pela justiça e acusados pela morte de 190 pessoas nos atentados -outras 12 mortes já foram confirmadas, mas os corpos não foram identificados.
O bairro, muito próximo da estação de trem de Atocha, prestou sua homenagem às 22h (18h de Brasília) de sexta, fazendo um minuto de silêncio seguido de aplausos. Cerca de 300 pessoas foram à praça Lavapiés -a maioria marroquinos e argelinos, mas também havia muitos espanhóis, em uma tentativa de manter os laços entre as comunidades.
"A verdade é que nunca olharam para mim como olham agora", conta um marroquino que não quis se identificar e adotou o nome fictício de Mohamed. "Outro dia, fui ao parque com meus filhos, e algumas pessoas começaram a apontar para mim, falar baixo entre elas. Vivo aqui desde 1983, meus filhos são espanhóis, e isso nunca tinha ocorrido."
A comunidade marroquina na Espanha tem oficialmente 333.770 imigrantes legalizados -quase 50 mil deles em Madri. Segundo relatório da Comissão de Direitos Humanos, porém, há mais de 600 mil imigrantes ilegais no país, e o percentual de norte-africanos é o mais alto desse total.
"Confiamos na responsabilidade solidária da sociedade espanhola que, até agora, tem nos tratado com bastante afeto", diz o presidente da Associação de Marroquinos de Madri, Mustafá Mrabet. Para ele, os casos de Elhassani e Mohamed são isolados, e o tempo curará as feridas abertas pelos atentados.

Solidariedade
A comunidade árabe tenta, de qualquer forma, mostrar que o mundo islâmico é contra o terrorismo e que fazer parte do islã não significa ser a favor de atos como os ocorridos em Madri.
"Não ao terrorismo. Nossa solidariedade e condolências com todas as vítimas e familiares." Essa é a mensagem colocada na porta da maior mesquita de Madri, na região nordeste. Junto à mesquita, fica o Centro Islâmico de Madri e também a lixeira onde a polícia encontrou a fita em que um árabe com sotaque marroquino reivindicava, em nome da Al Qaeda, a responsabilidade pelos atentados.
Na última sexta, dia sagrado para os muçulmanos, a mesquita recebeu mais de 1.500 fiéis, mas era impossível disfarçar o clima de medo e tensão. De acordo com um segurança argelino, a mesquita fica aberta todos os dias, mas, naquele dia, estava fechada "por tudo isso que está acontecendo".
A verdade é que os portões estavam fechados somente para pessoas de fora da comunidade muçulmana. Ao saber que a Folha era um jornal brasileiro, o segurança argelino adotou um tom político, mudou de atitude e permitiu a visita pelo menos ao Centro Islâmico. "Aqui todos são bem-vindos, aqui todos são bem-vindos", não se cansava de dizer. "A mesquita não tem nada a ver com esses terroristas", dizia.
Moneir Mahmoud Ali El Messerey, sacerdote da mesquita, fez um apelo em entrevista ao jornal "El Mundo": "Vi, após os atentados, os espanhóis gritando "Bascos sim, ETA não". Agora peço o mesmo à sociedade espanhola, só que trocando os protagonistas."


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