São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2010

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ANÁLISE

Por enquanto, crise é só retórica

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A crise entre EUA e Israel deve ser vista em perspectiva. Se considerados o balanço do debate interno americano, favorável à posição israelense, e o histórico da relação bilateral, ela não foi muito além dos decibéis a mais na retórica da Casa Branca, por enquanto sem consequências práticas.
Ao condenar o anúncio israelense de novas construções no setor árabe de Jerusalém, o governo americano reagiu à desmoralização do vice-presidente Joe Biden, que visitava Israel. Mas também tentou consertar o erro tático que cometeu em novembro, enfraquecendo a promessa de Barack Obama de promover negociações que afinal levassem aos dois Estados.
Naquele mês, depois de a Casa Branca ter exigido que Israel congelasse a colonização dos territórios palestinos -requisito de todos os planos de paz já mediados pelos EUA-, a secretária de Estado Hillary Clinton elogiou como "sem precedentes" a decisão do premiê Byniamin Netanyahu de declarar uma suspensão parcial, temporária e que não incluía Jerusalém Oriental.
Por esse recuo, a Casa Branca vinha sendo criticada por líderes árabes e por veteranos estrategistas da política externa americana -o jornal "Financial Times" afirmou que Obama parecia "emasculado" diante de Netanyahu.
"Você não pode adotar uma posição que é coerente com a política americana de anos e, no momento em que reagem a seu empurrão, você amolece", disse no mês passado James Baker, secretário de Estado entre 1989 e 1992, no governo de George Bush pai.
Como Zibgniew Brzezinski, outro antigo chefe da diplomacia americana, Baker vem alertando para os prejuízos que a posição israelense traz aos "interesses" dos EUA no Oriente Médio e nos países muçulmanos. "Os contribuintes americanos dão a Israel US$ 3 bilhões por ano, numa época em que nossa economia está em má forma. Não é pouco razoável pedir que a liderança israelense respeite a política americana sobre os assentamentos", disse.
Bush sênior, no entanto, protagonizou um raro momento nos últimos 20 anos em que a Casa Branca exerceu pressão efetiva sobre o aliado. Na época, foram congelados US$ 10 bilhões em garantias de empréstimos a Israel, a fim de convencer o premiê Yitzhak Shamir a aceitar o princípio da "troca de terras por paz" que nortearia a Conferência de Madri (1991). A coalizão de direita de Shamir se desfez em função disso, e ele acabou substituído pelo trabalhista Yitzhak Rabin.

Crescimento exponencial
Desde então, e apesar dos Acordos de Oslo (1993), houve crescimento exponencial dos assentamentos na Cisjordânia, em Jerusalém e em Gaza -que foi desocupada em 2005, de forma não negociada com os palestinos.
Os mais de 400 mil colonos hoje inviabilizam um Estado palestino contíguo -além de condenar Israel, na ausência de um acordo, a ser "um tipo de nação do apartheid", disse o republicano Baker, repetindo o ex-presidente democrata Jimmy Carter (1977-1981).
Pela Convenção de Genebra, os assentamentos são ilegais, posição que é a da ONU e que os EUA nunca renegaram. A anexação de Jerusalém Oriental tampouco é reconhecida, nem pelo governo americano.
Apesar disso, Washington sempre vetou na ONU resoluções contra as colônias e hesita em usar o peso da relação bilateral para pressionar Israel -cuja imagem internacional em boa medida depende de haver diálogo com os palestinos, mesmo que ele seja prolongado ao infinito.
Se George W. Bush levou a aliança ao paroxismo -os extremistas islâmicos do Hamas e na prática todo o movimento palestino foram enquadrados na "guerra ao terror"-, a mudança prometida pela nova Casa Branca vem naufragando.
Os israelenses nunca confiaram em Obama. Na campanha de 2008, ele tirou de cena dois assessores -Brzezinski e Robert Malley, que havia assessorado Bill Clinton- acusados de ser pró-palestinos.
Israel também sempre preferiu que o programa nuclear do Irã, e não a questão israelense-palestina, fosse a prioridade americana na região. A controvertida reeleição do antissemita Mahmoud Ahmadinejad facilitou essa agenda.
Ao longo dos últimos dias, depois que a condenação a Netanyahu foi criticada por uma leva de congressistas e por boa parte das organizações pró-Israel nos EUA, a Casa Branca pareceu recuar. Em meio a reafirmações da aliança, já não está claro se ainda pede a suspensão das construções anunciadas ou, como deu a entender Hillary Clinton na sexta-feira, que o governo israelense seja discreto nas próximas vezes.


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