São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2005

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Palestra no Rio em 90 dá pistas sobre papado

RAFAEL CARIELLO
DA SUCURSAL DO RIO

Se depender do que o próprio cardeal Joseph Ratzinger disse -e escreveu- em visita ao Rio em 1990, o pontificado de Bento 16 não deve seguir a mesma lógica de severa ortodoxia que marcou seu trabalho à frente da Congregação para a Doutrina da Fé.
O cardeal disse então que um papa não deve seguir "sua própria lógica" no exercício da função. A idéia aparece numa das conferências que fez para cerca de cem bispos brasileiros, a convite do então cardeal do Rio de Janeiro, d. Eugenio Sales. Ratzinger falou sobre a Igreja Católica, sua hierarquia e o papel do papa. Os textos do curso foram reunidos no livro "Compreender a Igreja Hoje" (Vozes).
Na segunda conferência, "O Primado de Pedro e a Unidade da Igreja", ele lembra que o primeiro pontífice foi repreendido por Jesus e chamado de "Satanás" e "objeto de tropeço" após "repreender o Senhor" e não aceitar que aconteceriam a morte e a ressurreição que o próprio Cristo anunciava. "Aquele que, por graça de Deus, está destinado a ser a rocha sobre a qual se apoiará o edifício da igreja é, por si próprio, uma pedra no caminho", afirmou. O trecho talvez ajude a entender as mudanças no discurso de Ratzinger e a constante nas mensagens do papa Bento 16 até agora: a extrema humildade.
"Antecipa-se nisso, de alguma maneira, todo o drama da história dos papas, na qual nos deparamos constantemente com essas duas realidades: a de que o papado permanece o fundamento da igreja, por uma força que não provém dele, e a de que, ao mesmo tempo, alguns papas se convertem, a partir de seu próprio ser humano, em pedra de escândalo, por quererem adiantar-se ao Cristo, em lugar de segui-lo; por acreditarem que devem traçar por sua própria lógica o caminho que somente Ele pode fixar", disse.
O cardeal alemão fez no Rio uma defesa contundente da hierarquia na igreja, defendendo a primazia de Roma sobre as igrejas locais. Também combateu teologias que, inspiradas pelo liberalismo ou pelo marxismo, contribuem, segundo ele, para enfraquecer a instituição e dispersar os católicos. O marxismo pode contribuir para o enfraquecimento da igreja, diz Ratzinger, ao apresentar Jesus como alguém que se apresenta como opositor das instituições estabelecidas.
"Segundo esse modelo dialético, à igreja institucional contrapõe-se a "igreja do povo", que nasce constantemente do povo e, por isso, perpetua as intenções de Jesus: sua luta contra a instituição e seu poder opressor em favor de uma nova sociedade livre, que será "o Reino de Deus'", afirmou.
Quando prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger combateu a Teologia da Libertação e impôs silêncio a um de seus principais representantes no Brasil, Leonardo Boff. Independentemente da origem ideológica das teorias de Boff, os representantes "progressistas" da igreja no Brasil sempre defenderam maior autonomia para as igrejas locais em relação a Roma.


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