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"Faça o barulho das balas cessar", rezou sobrevivente
Asiática como o atirador, Haiyan Cheng encontrou Cho pela primeira vez no dia do ataque
Mais de 7,5% dos alunos e dos professores do Virginia Tech, palco do pior massacre a tiros dos EUA, vêm de fora como ela; leia relato à Folha
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BLACKSBURG
(VIRGÍNIA)
"Bang, bang, bang." Essa é a
lembrança que Haiyan Cheng
tem da última segunda-feira.
São dos tiros disparados bem
perto de seus ouvidos, que deixaram um zunido que persistia
quando ela conversou com a
Folha na noite de quinta-feira,
por telefone, em Blacksburg,
depois de ter trocado e-mails
com a reportagem.
Professora-assistente do Virginia Tech, caminho escolhido
por muitos ex-alunos como ela
ao se formar, Haiyan ajuda o titular da cadeira de ciência de
computação na preparação das
aulas e no trato com os alunos.
Chinesa, veio estudar nos EUA
como o sul-coreano Cho
Seung-hui e mais de 7,5% dos
alunos e professores de uma
universidade de 26 mil pessoas.
Até o massacre que matou 32
pessoas e o atirador, Haiyan
nunca tinha ouvido falar de
Cho. Ela se lembra que aquela
manhã era mais fria que o habitual em Blacksburg em abril.
Passou pelo escritório, checou
e-mails e deixou o celular carregando -na semana anterior,
esquecera de fazer isso e, para
desespero do marido, se viu
sem carga no meio de uma suspeita de bomba no prédio.
A polícia acredita que o autor
das três ameaças de bomba tenha sido Cho, num plano para
testar a velocidade de resposta
da polícia do campus e a segurança do edifício de engenharia, futuro palco do que seria
descrito por agentes veteranos
como "a pior cena de crime já
vista", com três dezenas de corpos espalhados por quatro classes e pelas escadas, a maioria
alvejada pelo menos três vezes.
Às 8h59, Haiyan chegou ao
prédio. Não sabia se sua classe
era a 204 ou 205. Pelo canto
dos olhos, viu que a 204 já tinha um professor mais velho.
Era o sobrevivente do Holocausto Liviu Librescu, que minutos depois salvaria a vida de
seus alunos e perderia a própria ao usar o corpo como barreira contra Cho, enquanto
seus estudantes pulavam pela
janela e se salvavam.
Disparos e sirenes
Às 9h, Hayan começou a aula,
após abrir a janela e deixar a
brisa fria entrar. O tema do dia
era "Soluções numéricas de
ODE", sigla em inglês para
equações diferenciais ordinárias, um conceito matemático.
Faltando 15 minutos para o fim
da aula, ela ouve o barulho.
"Bang, bang, bang".
São vários, e muito altos. Haiyan e os alunos pensam que
vêm de uma construção. O ruído pára por alguns segundos. E
volta. Ela ainda não sabe, mas é
Cho recarregando uma das
duas armas que havia comprado nos últimos 30 dias, uma
Glock 9mm e uma Walther .22.
Segundo a polícia e ex-colegas,
ele havia deixado seu dormitório por volta das 7h, depois de
se exercitar, como começara a
fazer em março.
Estava com o cabelo recém-cortado, coberto por um boné
vinho, uma das cores da universidade, um colete bege em que
levava pentes de munições e
uma mochila com duas facas.
Nos próximos minutos, mataria dois estudantes num dormitório vizinho, voltaria a seu
quarto, número 2.121, indicado
por um peixe na entrada com o
nome dos dois moradores, "Joseph + Seung-hui", concluiria
seu "manifesto multimídia" e o
poria no correio às 9h01.
E caminharia até o prédio
onde Haiyan dava aula. É Cho
descarregando parte do que a
polícia acredita ter sido até 250
tiros que a professora-assistente ouve agora. Então, a pausa.
Ela iria iniciar outro tópico
quando os barulhos recomeçaram. "Bang. Bang." Uma aluna
chamada Teresa vai para a porta; ela a segue, com as anotações ainda na mão.
Pela porta entreaberta, vê
um rapaz passar. Só por um segundo, mas percebe que ele leva uma pistola preta em uma
das mãos, que se veste de preto
e tem o rosto arredondado. Ela
e Teresa se viram e correm.
Haiyan ouve um barulho quase
ensurdecedor, seguido de um
objeto que zune a seu lado e se
aloja no tablado sob a mesa.
Um aluno indiano sugere
uma barricada. Outros três o
ajudam na empreitada. Os tiros
seguem no corredor, com uma
parede separando-os de Cho.
Que pára, vira e tenta entrar na
classe. Ele empurra a porta, que
empurra a mesa, mas os quatro
alunos a empurram de volta.
Cho dispara várias vezes.
Dois estudantes estão chamando a polícia pelo telefone.
Quatro garotas se jogam no
chão. Os disparos seguem, agora cada vez mais longe da porta.
Haiyan se ajoelha e começa a
rezar. "Por favor, faça com que
ele pare, por favor, faça o barulho das balas cessar", é o que
pede. Então, ela e seus onze
alunos ouvem sirenes, mais alguns disparos. E silêncio.
Em segundos, alguém bate
na porta. É um policial, que
procura sobreviventes. A professora-assistente lidera os alunos e, na escada, pega na mão
de Lisa, outra das alunas, para
que desviem das poças de sangue no chão. Depois, um paramédico lembraria que, enquanto ele e os colegas recolhiam os
33 corpos, os celulares dos
mortos não paravam de tocar.
Sem celular, Haiyan pede o
laptop emprestado de um dos
que trabalham no resgate e
manda um e-mail ao marido:
"Sobrevivi", resume.
Ao repórter, concluiria o relato: "Temos de valorizar cada
minuto da vida".
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